sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Poema do futuro

Não é porque o
café se dissolve em marasmo
que deixo de contemplar,
gozar o dom da espera alucinada.

Espera alucinada de futuros
que nunca, nunca se desdobram,
pois futuros não estão
na paisagem, "são nada
à vida" - ousaria dizer,
outrora, ao lado do poeta baiano.

Meu poeta baiano das noites
de confraria, que, a propósito,
eram o sonho e, por isso mesmo,
a vida.

O futuro sequer é sonho.
Trata-se de delírio da razão,
xadrez do consciente, berço
do egoísmo, este adubo do indivíduo.

Adubo do indivíduo dúbio,
enclausurado no âmago do
minuto, debatendo-se entre
o tempo do mito e o porvir.

O porvir desejado, ambicionado,
é frustração, é negação
de qualquer corrente serena
que constrói derredores
desenvoltos e obscenos.

Quero o obsceno! Essa coisa
de desvendar ombros ao
rítimo oco da vida que late
sem saber-se vida; secar suor
n'aragem, escutar rumor de folharadas,
incorporar a viração que tudo
desnuda e conduz.

E porque quero, me frustro:
novamente o que virá é
o velho futuro, essa cadeia
que desencadeamos na arte
consciente do banal.

Resta-me o café cortado
e seu matizes lácteos,
resta-me definhar no seio
do instante. Saber-me triste.
Porque se há vida que pulsa
fora de mim,
é contingência.
O contingente é ficção.

Ficção que se burla do vivido,
do vívido; caçoa do artesão
que se faz duramente a cada momento;
nega o cerne da escolha,
a opulência vital de cada punheta,
de cada segundo amargo na espera,
de cada passo rumo ao que jamais foi,
de cada manifestação da náusea cafeinada.

Essa ficção é claustrofóbica,
pois da tristeza radicalmente
cosciente que gera,
não me permite destilar a
mais cabal das alegrias. Nega-me a vida.
Lança-me à sua periferia, chama-me de
espectro do porvir.
Esquece-se de que sequer há vida!
Existem apenas moribundos.