terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Por Cuba




Último dia do ano de 2008. Hoje, à meia noite, o calendário muda de cara e tomamos fôlego para seguir concretizando projetos de vida. Hoje, também a meia noite, a Revolução Cubana completa 50 anos e Cuba ratifica um projeto de vida que contrasta, em termos políticos, com a maioria das realidades nacionais do continente latino-americano: socialismo mestiço, embalado pela salsa, pelo jeito morno e sensual de viver no trópico.


No ano de 2005 viajei à maior das Antilhas. Nos dias que antecederam o vôo a Cuba, estive me preparando para o pior. O pior seria a frustração de encontrar na Ilha a antítese das minhas aspirações com relação à única experiência nacional de construção do socialismo na América Latina. Preparei-me para a ditadura. Ao fim e ao cabo, minha convicção de militante de esquerda, naquela época, não era tão inabalável como pensava. De fato, Cuba desafiou amplamente meus pré-conceitos. A cada dia, se desenrolava com mais nitidez diante de mim um país especial. Nem uma tentativa de soar comunista, ostentar medalhas e pôsteres a moda soviética. Raras foram as manifestações de crença alienada nas possibilidades do regime vigente. Vi agência e protagonismo naqueles que são geralmente tomados por títeres. Não encontrei a Revolução Cubana apenas nas manifestações adesistas dos membros do Partido Comunista. O processo revolucionário emergia com mais nitidez justamente no cotidiano das gentes da Ilha. Gentes que num contexto de agruras, criaram táticas mil para (sobre)viver sem deixar de lado um profundo humanismo que, mesmo colocado em xeque por necessidades quem sabe fundamentais, jamais empalideceu. A Cuba que concebia era bem menos impressionante que a Cuba que conheci. Deixei de exigir dos cubanos que fossem socialistas, para poder, ainda que de forma incipiente, compreender como, diariamente, essa tal Cuba-livre era esboçada, delineada no real. O caráter provocador e criativo dessa cinqüentenária revolução – que começou “verde”, tornou-se vermelha e, aos poucos, incorporou com notável beleza as peculiaridades da sociedade cubana – segue sendo, sem dúvidas, uma possibilidade interessante e em constante atualização.

Na foto, uma das paredes do Acampamento Internacional Julio Antonio Mella, que hospeda as brigadas internacionais de solidariedade a Cuba.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

as putas continuam chegando

Certa vez, num hotel onde estava hospedado com minha namorada, me deparei com uma tosca estante de livros que jazia empoeirada no living do segundo andar. Folheei alguns volumes do acervo e foi quase frustrante perceber que, na sua maioria, eram velhos guias telefônicos ou romances da linha de Sidney Shelton. Contudo, espremidinha entre a papelada vazia, estava a obra que talvez justificasse a existência daquela estante naquele local: "Bukowski: 100 poemas". Depois do furto que fui obrigado a realizar, as prateleiras poeirentas devem ter perdido seu último toque de glamour. Melhor assim. Agora estão completamente mimetizadas com a atmosfera geral da hospedagem que as alberga.

Compartilho com vocês uma partezinha do meu botim:

meninas tranqüilas e limpas com lindos vestidos...
todas as que conheci são putas, ex-putas,
loucas. Vejo homens com mulheres tranqüilas, amáveis - os vejo nos supermercados,
os vejo caminhando juntos pela rua,
os vejo nos seus apartamentos: gente em
paz, vivendo juntos. sei que sua paz
só é parcial, mas há
paz, freqüentemente horas e dias de paz.

todas as que conheci são viciadas nas pílulas,
alcoolatras, putas, ex-putas, loucas.

Quando uma vai embora
chega outra
pior que a anterior.

Vejo tantos homens com meninas tranqüilas e limpas
bem vestidas
meninas com caras que não são lobescas ou
predatórias.

"não tragam nenhuma puta mais para cá", digo para
meus poucos amigos, "vou me apaixonar por ela".

"não poderias estar com uma boa mulher, Bukowski".

preciso de uma mulher boa. preciso de uma mulher boa
mais do que preciso do meu carro, mais do que preciso
de Mozart. preciso tanto de uma mulher boa que
posso saboreá-la no ar, posso sentí-la
na ponta dos meus dedos, posso ver ruas construídas
para que seus pés caminhen,
posso ver travesseiros para sua cabeça,
posso sentir meu sorriso que espera,
posso vê-la acariciando um gato,
posso vê-la dormindo,
posso ver suas pantufas no piso.

sei que existe
mas... onde está ela nesta terra
enquanto as putas continuam chegando?

BUKOWSKI

conversas

Não sei conversar, mas gosto de ouvir. E adoro ouvir pessoas que gostam muito de falar, e conseguem conversar sobre qualquer coisa com desconhecidos, como se fossem pessoas íntimas. Hoje à tarde, viajando de ônibus de Porto Alegre para Caxias do Sul, sentei ao lado de um senhor muito conversador: nunca tínhamos nos visto, mas em menos de cinco minutos ele já me mostrava feliz o motivo de sua ida a Porto Alegre, seus papéis para requerer aposentadoria. Quarenta anos, cinco meses e doze dias de trabalho como policial civil em Caxias. Achava o descanso merecido. Com o sotaque típico da região, falou um pouco mais sobre a correria da véspera de feriado e a dificuldade de conseguir passagens. E então dormiu ruidosamente.
Acordou quando estávamos quase chegando, mas ainda tive tempo de descobrir que ele levou um tiro na perna quando estava em serviço, que tinha só um rim, que Caxias hoje conta com aproximadamente 80 câmeras de segurança espalhadas em pontos estratégicos, que existe um filme chamado 'Pollyanna', que tem um filho engenheiro elétrico que dá aulas no SENAI, que sua filha cursa fisioterapia, e que no final da década de 70 ele lucrou muito com ações, mas por pura sorte.
Ainda me deu uma aula de economia falando sobre a crise americana ("Não que eu seja petista, mas o Lula tá conseguindo segurar bem as coisas agora na crise") e seus impactos. Este assunto lembrou-lhe de um outro filme, que mostrava o drama da crise de 29.
Há esta altura eu já me perdia em meus pensamentos, mas sua vontade de conversar era tanta que respostas monossilábicas o satisfaziam, e o senhor continuava falando, agora sobre a conta de água da sua casa.
Achei muito divertido. Apesar de já ter conhecido muitas pessoas assim, que contam sua vida sem a menor cerimônia, isso ainda me espanta, pois é algo que eu não faria. Mas acho incrível esse compartilhamento.
Despediu-se com um forte aperto de mão: "Foi um prazer, e que Deus te abençoe!".
Se lembra do tempo
que a gente sentia
e sentir era a melhor forma de saber
e a gente nem sabia?

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

O inesgotável e agora centenário Levi-Strauss

Em uma de minhas passagens preferidas de Tristes Trópicos, Levi Strauss define assim o trabalho antropológico:

Suas condições de vida e de trabalho o isolam fisicamente de seu grupo por longos períodos; pela brutalidade das mudanças que se expõe, ele adquire uma espécie de desarraigamento crônico: nunca mais se sentirá em casa, em nenhum lugar, permanecerá psicologicamente mutilado. Como a matemática ou a música, a etnografia é uma das raras vocações autênticas. Podemos descobri-la em nós, ainda que não tenha sido ensinada por ninguém.”

 

Embora eu não concorde muito com esta descrição demasiadamente romanceada e purista para meu gosto e também que ela não seja muito condizente com os contextos que eu faço minhas ainda desajeitadas saídas de campo, que longe de me obrigarem a dormir em redes desconfortáveis pelas matas do Brasil central como Levi-Strauss fez, me colocam em agradáveis hotéis com meus incansáveis nativos caminhantes, ela pode traduzir, em algum medida, minha experiência proto-antropológica – especialmente quando fala sobre permanecer psicologicamente mutilado.

Mais do que é carregado em sua própria definição, uma ciência é aquilo que seus cientistas fazem. Se aplicarmos esse princípio Geertziano a Antropologia concluímos que: antropólogos fazem etnografia e é justamente no fazer etnográfico que a alteridade, o deslocamente, a frenética busca para evitar receber o rótulo de etnocêntrico – maior insulto do “antropologiquês” -, que reside, também, o terreno mutilador proferido pelo centenário Levi-Strauss. Isso porque fazer etnografia não coloca em xeque nem nativos nem antropólogos, de modo que o problema não está na propriedade substantiva das coisa mas sim na relação entre elas. Meu dicionário ajuda a falar de outro jeito, alteridade é a natureza ou condição do que é outro, do que é distinto. que queria chegar e parar! De que outro estamos falando? Todo outro pressupõe um nós, e quem somos? E quando os nativos não estão nas matas do Brasil central mas sim em ônibus com você rumo a Porto Alegre, no centro espírita que você freqüenta, ou no clube de mães que sua avó participa? Para onde se deslocar quando o nativo está ali na biblioteca que você retira livros? Quais são as conseqüências de ao se deparar com uma situação como essas correr para a torre de marfim da academia?  

me estendi demais nessas notas, pretendo retoma-las em outros momentos e escrever como e quem está me ajudando a digerir isso

 

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Auto-exílio

Agora, mais do que nunca, a frase que proferiu Eduardo Galeano à época do seu regresso ao Uruguai, depois de dez anos de exílio na Espanha, faz sentido para mim: “Ninguém é herói por ir embora, nem patriota por ficar”.

Cumpro, hoje, o oitavo mês de exílio em Buenos Aires. Fui um dos primeiros em deixar meu país, após consumado o golpe de Estado. Fiz o que estava ao meu alcance durante os primeiros tempos da resistência. Não poderia, logicamente, afirmar que fiz tudo o que era possível, pois seria hipocrisia. Entretanto, o que pude conceber como realizável em meio aquele cenário extremamente confuso e inesperado, foi posto em prática. Levei a cabo uma rebelião solitária que atravessou distintas fases e corrompeu-se, finalmente, com minha tímida aproximação aos partidos políticos ainda não extintos. Essas agremiações, a duríssimas penas, debatiam-se contra as paredes sufocantes da nova institucionalidade, mal conseguindo impingir pequenos reveses ao autoritarismo corrupto já comodamente alojado nos gabinetes de jacarandá da Capital Federal.
Entreguei as armas num dia qualquer de agosto, quando, subitamente, me vi acometido por violenta sensação de guerra perdida e campo arrasado. Nenhum evento especial me levou a abdicar da condição de subversivo interno. Gostaria de poder dizer que o aparato repressivo estava no meu encalço, mas não. Outros tantos nomes encheriam as listas de procurados antes que eu, quem sabe, viesse a ser incluído nos catálogos policiais. Não nego que me apeteceria empreender alguma emocionante fuga do país, contudo, meu embarque no aeroporto, foi dos mais banais: espera de quinze minutos na fila para o “check in”, vinte minutos mais na sala de embarque e, por fim, a decolagem num avião da Aerolineas. Em poucas horas, após viagem sem turbulências, começava minha vida no exílio auto-imposto.

Confesso que durante as primeiras semanas em Buenos Aires, cheguei a questionar a validade da aventura do exílio mas, uma vez que me senti incorporado as fileiras da boemia nativa semi-intelectual , um morno conforto passou a pautar minha vida cotidiana. Sim, transcorrido o primeiro mês em terras estrangeiras, eu já tinha uma rotina , uma cotidianidade. Acordava não antes das dez horas da manhã, tomava café no hotel, comprava o jornal – do qual lia apenas os artigos menos mundanos da seção cultural – e, na parte da tarde, me dedicava a caminhadas mais ou menos demoradas pelo Centro ou por San Telmo.

Do terceiro mês em diante, tomei por hábito gastar as horas interpostas entre o meio dia e o anoitecer num bar-restaurante de Palermo. Ali, fiz amizade com o garçom que, para selar nosso vínculo de camaradagem, deixou de cobrar-me pelo ovo adicional que incrementava os sanduíches quentes do meu café da tarde.

As noites foram preenchidas com porres ocasionais, Haydeé e rasa conversa literária, que entretinha por longas horas a mim e aos meus amigos. Causava-me certa graça observar o entusiasmo e o orgulho com que alguns me apresentavam aos demais membros do seu círculo de relações como “exilado político”. Percebi que, naquele meio social, ter proximidade com portador de semelhante título de nobreza era um potencializador de status. Como nesse sistema de trocas simbólicas eu só tinha a ganhar, dramatizava com exagerada veemência o papel de lutador social desterrado pelo Estado autoritário. Por vezes, me soava medíocre a maneira como todos se mobilizavam para dar legitimidade a minha vulgar atuação. Quiçá só eu visse as coisas daquela forma, precisamente por conhecer muito bem o pequeno-burguês acomodado que se ocultava com ardil sob a roupagem de intelectual engajado.

No décimo dia de cada mês, recebia algum dinheiro em minha conta do Banco de la Nación. Tais ingressos eram fruto da preocupação do núcleo familiar com meu bem-estar. Vez que outra, conseguia vender fotografias para um órgão alternativo de imprensa que desenvolvia atividades no meu país e desferia ácida crítica a ditadura. Isso subsidiava a manutenção do meu equipamento de trabalho, bem como da minha rotina de bares. Poucas vezes me animei a sair de Buenos Aires. Entre minhas escassas incursões a outras partes da República Argentina, confiro especial destaque a uma viagem realizada à província de Corrientes para registro fotográfico do culto a santos populares da região. Os custos dessa pequena expedição foram cobertos por uma revista etnográfica de Oluapãos, a grande metrópole da minha terra natal. Recebi, por correio, um exemplar da publicação acadêmica. Nela, estava em destaque o artigo ilustrado com as fotografias creditadas a Martim Assunção, “correspondente no exílio”. Ao percorrer com os olhos essas palavras, não pude deixar de esboçar sorriso sutil e parcialmente irônico. Logo de duas ou três menções ao meu nome nos periódicos da “contra-mídia combativa”, chegava a minha caixa de e-mails vetusta quantidade de mensagens: estudantes aduladores externando solicitude com respeito as minhas intervenções na imprensa alternativa; outros exilados buscando a formação de redes de apoio e resistência no exterior; convites para escrever artigos ou enviar imagens. Em fim, nada que me comovesse especialmente.

Hoje pela manhã, percebi que meu cotidiano exalava o cheiro do marasmo. Questionei pela segunda vez a viabilidade do auto-exílio. Ainda ébrio pelo Fernett, comprei passagens de volta ao meu país, pois o regresso se me apresentava como única alternativa ao devir enfadonho que, não tão longe, se delineava. Liguei para Oscar Aldunate, um amigo uruguaio com quem compartilhara idéias semelhantes e um mesmo apartamento, meses antes de partir ao desterro. Queria que ele me colocasse a par do que estava acontecendo no pago que havia deixado há meses. Ademais, necessitava alguma manifestação efusiva de satisfação diante do meu retorno e, bem sei, Oscar é afeito ao exagero, sendo assim, me pareceu capacitado para tal tarefa. Não posso negar que recebi com surpresa – obviamente menor que aquela performatizada por mim durante o diálogo telefônico – a notícia da inclusão do meu nome na lista de procurados pela Polícia Federal. Como se não bastasse, o Ministério de Relações Exteriores da ditadura, fazia uma semana, conferira-me o título de persona non grata, impedindo-me, portanto, de pisar em solo nacional. “Lo siento Hermano, pero si querés volver a este país, tendrás que cruzar la frontera a pie y disfrazado de vaca. Te puedo ayudar si querés”. “Lo voy a pensar, Oscar. De todos modos, gracias”. Desliguei o telefone, ganhei a rua e senti o sol brando de março na cara. Minha mão, quase involuntariamente, deixou cair ao chão a passagem de retorno. Sentei-me no meio fio, acendi um cigarro e desejei que ele nunca terminasse.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

E agora que sou professor?

Engraçado é pensar que hoje sou professor. "Professor! quem diria!?"

Parece tão certo, tão definido: você é professor e pronto, o que faz é ensinar. Parece não ter discussão, as pessoas concordam com isso, eu concordava com isso. Parecia simples até que percebi que tenho em mãos um poder muito grande, ora, mire e veja, os alunos já chegam preparados para receber de mim algum tipo de conhecimento, eles esperam isso. Mães confiam em mim para educar seus filhos!
O que eu ainda não havia me dado conta é que eu posso escolher o que ensinar para eles. Antes parecia simples: eu escolheria os assuntos referentes aos respectivos anos, preparava algumas aulas práticas, umas saídas de campo e pronto. Meu currículo estaria muito bom. Mas aí parei e pensei.
Comecei me perguntando como deveria guiar as minhas aulas para que elas fossem diferentes das outras, para que fossem melhores e dentro das minhas divagações me deparei com outra pergunta, anterior essa, que me revirou, ainda mais, por algumas meia-horas na cama. Precisava definir, antes de decidir como ensinar, o que ensinar e não estou dizendo que fiquei na dúvida entre falar dos ecossistemas ou das transformações de energia em sistemas fechados. Era algo maior que levou algum tempo para que eu pudesse definir. Estava em dúvida se o que eu trabalharia com eles eram os conceitos tradicionais com avaliações periódicas de desempenho do aluno, as velhas aquisições de conhecimentos e memorização de conceitos básicos ou mergulharia no vasto mundo das possibilidades. Possibilidades de trabalhar o conceito contextualizado no mundo muitas vezes pequeno do aluno (papo de "professor-cult"), de trabalhar relações de produção, conscientização, emancipação, identidade, subjetividade, saber-poder, gênero, raça, etnia, sexualidade, multiculturalismo etc. Por um lado me senti fortemente impelido a montar um currículo diferente dos que tinha conhecido até então e, de fato, embrenhei-me na proposta. Mas aí parei e pensei.
Antes de definir o que trabalhar com os alunos, antes de definir os métodos revolucionários que eu estava planejando usar, antes de tudo isso eu precisaria definir um objetivo para esse currículo. Minha primeira resposta para essa pergunta foi rápida: o objetivo do currículo é o aluno. Mas minha cabeça, que não para de me questionar, logo me interrompeu. "Mas qual aluno?" e foi aí que me perdi nas idéias. Antes de definir o que eu quereria discutir com os alunos e como quereria trabalhar com eles precisaria definir o que eu buscava com essas escolhas, lembrando que as conseqüências delas não serão sentidas por mim, mas por eles.
Passei horas no trânsito introspectivo de São Paulo com o rádio desligado e os vidros fechados pensando o que eu queria criar. Os meninos e as meninas deveriam sair do ensino fundamental repetindo aqueles conceitos científicos como se fossem salmos de um grande livro grosso? Deveriam sair prontos para pensar e construir as próprias idéias num mundo em que o tempo para isso é luxo de poucos (que não sabem usá-lo)? Deveriam sair críticos e desconfiados de tudo e de todos? Deveriam sair com consciencia social e ambiental? Deveriam sair como? Mas aí parei e me peri.

fui tomado de angústia, olhei ao redor procurando qualquer alguém, mas estava sozinho como se fosse um paulistano...

pensei em perguntar aos alunos o que eles esperam das aulas, mas pelo pouco que conheço do mundo escola-casa-computador a resposta poderia ser um tanto quanto frustrante.
Se é que me entendem....

ok, obrigado.
Aqui foi meu desabafo...

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Sexualidade e Machismo na Banda Oriental ou "das percepções que plasmei com Paula na mesa do bar"

Paula Vega, doutoranda em antropologia, uruguaia magrinha e morena, chegou por volta das 20h no Hostel. Eu estava na salinha de TV, aproveitando o calor da lareira. Naquela noite conversaríamos um pouco a respeito da minha investigação sobre migrações, uma área de interesse que ambos compartilhamos. Coloquei uma manta e ganhamos a rua gelada, Paula me levou ao Lobisón, barzinho enterrado num porão, ambiente aconchegante e vazio, como a maioria dos botecos de Montevidéu em plena semana. Pedimos cerveja negra e aos poucos o diálogo fluiu. Fluiu e dilatou-se, incorporando outros temas, entre eles, sexualidade e machismo. Quero compartilhar com vocês algumas das percepções que surgiram naquela mesa de bar.

Aos solteiros, homens ou mulheres, faço um rápido esclarecimento: se tiverem planos de viajar ao Uruguai, mais especificamente a Montevidéu, não desanimem. Os apontamentos eventualmente desestimulantes que podem aparecer nas linhas seguintes são fruto de observações quase desinteressadas, reflexos de experiências pessoais, projeções que beiram o perigoso generalismo.

Há tempos me chama a atenção o fato de as mulheres uruguaias serem menos extrovertidas e extravagantes que suas congêneres brasileiras em diversos planos, inclusive no da performance sexual. O sexo, ainda que ronde as mentes orientais (gentílico para os nascidos na República Oriental do Uruguai) com tanta intensidade como ronda as mentes tupiniquins, aflora de maneiras distintas no cotidiano dos uruguaios. Expressar atração sexual mediante trova (ou, como preferem os paulistas, xaveco) é uma aventura e um risco que praticamente está negado a moça nascida na margem norte do Rio da Prata (talvez coisa semelhante ocorra na margem Sul, em Buenos Aires, mas esse é assunto para outro momento). Durante nossa conversa no Lobisón, Paula passou em revista uma série de situações por ela vividas onde ficou patente o desconforto dos homens uruguaios diante de situações nas quais o apetite sexual feminino pudesse romper com a lógica natural. Esta lógica natural é a que coloca o potente varão como único ocupante do lisongioso posto de conquistador, sedutor de multidões. No Brasil a prática dominante também aponta neste sentido, entretanto, novos discursos – dos quais não me arriscaria a conjeturar o teor de hipocrisia – têm ganhado visibilidade e alcançado legitimação. O que chama a atenção no Uruguai, entretanto, é o amplo respaldo social auferido ao mais escrachado machismo. Paula alertou-me, por exemplo, para o teor das “cantadas” recebidas pelas mocinhas nas ruas e bulevares da capital uruguaia. Usando como comparação os gracejos masculinos correntes em terras brasileiras, minha companheira de mesa identificou, nas cantadas uruguaias, um conteúdo bem mais violento. Para Paula, as manifestações verbais de atração sexual nas ruas do Brasil soam muito mais como um “convite”, uma “proposta” - que pode variar no seu teor desde um comedido “casa comigo” a um despudorado “vem cá que eu vou te comer”. Já no Uruguai, as cantadas teriam uma marcada conotação de diminuição da mulher, de esterilização social: “puta”; “te voy a garchar”; “mirame, putita”; “está buena la perra”.

No âmbito das relações entre companheiros de trabalho, também a conduta da uruguaia está cuidadosamente vigiada, a mercê de uma série de qualificativos nada prestigiosos. Sair com alguém com quem se divide o mesmo ambiente de trabalho é algo delicado. Nem sempre, o fato de uma mulher beijar um homem significa que está disposta a partilhar com ele todos os dias da sua vida até o último. Contudo, na Banda Oriental, o compromisso, a relação baseada na fixidez, é altamente desejada, sendo interpretada como desdobramento natural de uma boa noite de sexo. Obviamente o desejado, o legítimo, em diversas ocasiões não pauta a totalidade das práticas sociais. Arriscar-me-ia a dizer, inclusive, que a maioria das condutas não reflete o socialmente desejado em sua integridade. Há margens de diálogo e espaço para a astúcia. Todavia, nos escritórios e talvez salas de aula uruguaias, as margens para a divergência são bastante policiadas e o discurso dominante acena com a arma da rotulação quando limites são forçados. Na opinião de Paula, um dos mais poderosos e difamadores adjetivos aplicados a mulheres que experimentam alguma rotatividade de parceiros e acabam sendo descobertas – e num clima de fábrica, escola ou escritório as “descobertas”, tornadas públicas, podem ser altamente lucrativas– é “atorranta”. “Atorranta” significa “vagabunda” quando aplicado a mulheres. Contudo, um homem “atorrante” é apenas um “chato”. Investida da condição de “atorranta” uma moça já não pode ser levada a sério, perde prestígio, pode ver comprometido seu capital social. No Uruguai, Paula me comenta que está sujeita uma série de adjetivos que no Brasil, apesar de vigentes, não se aplicam tão maciçamente: por ter cabelinho curto, é lésbica; por não possuir parceiro fixo, “atorranta”; por ser intelectualizada, é temerária para muitos. Não pude deixar de me lembrar do comentário que ouvi de um amigo a respeito de suas exigências no mercado matrimonial: “prefiero mujeres huecas” (prefiro mulheres ocas). Juan, conhecido meu, gay, lamentava: “me da asco estar con otros hombres, aunque me gusten, porque fui enseñado a odiar a los homosexuales” (tenho nojo de ficar com outros homens, ainda que eu goste deles, porque fui ensinado a odiar os homossexuais).

As franjinhas deitadas sobre um dos lados do rosto, os sapatos baixinhos, uma simpatia sincera, mas cuidadosamente manobrada de modo a não escorregar em malícia, são característica de muitas meninas uruguaias entre doze e vinte e poucos anos. “Cuando se vuelven más viejas, tienen más actitud” (quando ficam mais velhas, têm mais atitude), avaliou alguém. A punheta é instituição altamente definidora da adolescência. Mas há meninos uruguaios que se queixam de, aos vinte anos, ainda não terem superado essa etapa da juventude no que tange a ampliação dos horizontes sexuais. Mais sorte têm os “muchachos” do campo, que podem contar com o tradicional “debut” de prostíbulo e com os concorridos traseiros ovinos. “Después uno se resigna”, afirma Homero, olhando tristemente para o chão, “se resigna y aprende a esperar a que se le cruce una veterana” (se resigna e aprende a esperar até que uma veterana cruze seu caminho). Estabelece-se, assim, um tenso e engessado marasmo sexual corroborado por homens e mulheres de forma mais ou menos consciente.

“Brasil es el paraiso sexual!”, exclamou Paula já no final da última garrafa de Patrícia Negra. Concordei sem reservas.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

No Canada...

Fui perguntar informacao (me perco mtoooooo aqui) para um senhor... devia ter seus 55 anos...

"- Com licenca...
- Estou ocupado. Va embora. Va embora. Estou ocupado."

Quando contei isso a alguem la....

"Jura que isso eh ser rude no Brasil?"
.
.
.
.
Entrando em um restaurante, procurando emprego, um cara me perguntou na porta se eu tinha um isqueiro. Eu disse que nao. Ele perguntou se eu estava indo jantar. Eu disse que nao, que estava procurando emprego.
Quando sai ele comecou a perguntar se eu tinha arranjado o emprego. E comecou a fala um monte de coisas e eu nao entendia nada... Eu nao sou la grandes coisas no ingles, nem ele... E o sotaque dele era mto dificil.

Eu so perguntava o que? Nao entendo...

A conversa sem pe nem cabeca, daqui a pouco achei esquisito e perguntei: vc quer fazer sexo comigo? Ele respondeu, nao!!! So beijo e tocar.

Eu disse... AAAHH!! Nao! Nao eh esse tipo de emprego que to procurando, penso em garconete, coisas assim.

Ele comecou...
Por favor... ok! Entao nao 1 hora... 30 min...
e eu andando tentando sair de perto dele. Ele me acompanhando....
Nao!
Ta 400 dolares.
Nao!
Ok! So beijo entao.
Nao!

Ele parou, os olhos encheram de lagrima.
Por favor, me da um beijo. Tenho 500 dolares, eh tudo que posso te dar. Sou coreano, nao tenho namorada, e tb nao tenho mto dinheiro. Estou mto sozinho. Por favor, me da um beijo.

Eu disse que ele nao precisava fazer aquilo, que poderia ficar com alguem, arranjar alguem, sem ter q usar dinheiro.

Ele abaixou a cabeca disse nao, e saiu andando apressado, como se tivesse com vergonha de mim.

Eu fiquei andando num ritmo super lento atras.

Ele olhou para traz  vezes.

Eu nao entrei em mais nenhum restaurante nessa noite.

Chegando...

Atrasada, mas to chegando.

Ok, estou viajando, no Canada. Vou usar daqui para fazer uma especie de diario de bordo, ou talvez so relato de algumas impressoes que preciso dividir, pelo menos por enquanto. Se nao se incomodarem. Sempre que possivel postarei (o que nao vai ser mto frequente, nao to com mto tempo, e tb quero uma certa distancia do portugues nos proximos 4 meses).

No metro, repleto de anuncios publicitarios no alto, de assento vinho aveludado, uma mulher, despenteada, com uma saia longa africana, e todos os casacos que sao necessarios aqui, entrou correndo, recitando poemas com expressoes e jogadas de corpo de performance teatral. Tinha um tique de passar o antebraco na testa. Quando passou em frente a mim, parou, olhou minhas maos, meus pes, meu cabelo, minha boca, minha bolsa, mas nao meus olhos. Como se enxergasse atraves de mim, desfocando os olhos balancou a cabeca como se fosse um pendulo, hipnotizada. Acordou. Num movimento brusco, retirou da grande e pesada bolsa de couro ja desgastada, um livreto de capa preta, impecavelmente novo. Antes de me entregar, retirou uma rosa vermelha, murcha, cujas petalas devem ter sido distribuidas por onde ela passou, talvez dentro da bolsa de couro. Com a flor em cima do livreto, como num pacote, ganhei o presentei. O sinal de que as portas iriam se fechar soou, ela saiu correndo.

O titulo? Nao tinha. Na contra capa, uma folha em branco assinada em letra de mao "Brigida Kalu".

Algumas das coisas que estao escritas la, vou passando aqui...

"Para um video de um amigo...

Corpo de 5 sentidos.

Deitados vestidos em pele e pelo. Cheiro. Quadris guardados com pureza pelo lencol cujas rugas formam linhas que nos une. Uma cobertura despudorada, mas leve. Exalta os limites de tudo que eh exterior aos corpos. Eles se confundem, sao um novo corpo, unico, deformado, numa configuracao que nunca mais vai se repetir.
Pernas entrelacadas, os pes acariciam. Bracos cruzados tocam rosto e cabelo. Olhos fechados permitem embarcar nas sensacoes. Dedos seguem contornos, pelos, pele, cicatrizes, marcas da vida, coracao, respiracao. Descobrem e apreendem a imagem na fluidez da memoria, que faz os seus registros extremamente particulares. Atencao no toque, onde agora, o corpo de resume.
A lingua de textura e deformacao unica eh capaz de se moldar conforme o corpo, consegue investigar externamente minucias interiores. Traz sensacoes onduladas.
A energia da vida da sinais de sua existencia em liquidos escorregadios. Convidativo, agora, eh o massageamento por dentro. Corpo bailarino em sintonia, refletem, em sombra, a harmonia ritmica.
Corpo se converge inteiramente em sensacoes. Sem eu, sem voce, sem mente. So "O Corpo".

Alivio.

Um sobre o outro, respiracao e uma gargalhada."