Na foto, uma das paredes do Acampamento Internacional Julio Antonio Mella, que hospeda as brigadas internacionais de solidariedade a Cuba.
terça-feira, 30 de dezembro de 2008
Por Cuba
Na foto, uma das paredes do Acampamento Internacional Julio Antonio Mella, que hospeda as brigadas internacionais de solidariedade a Cuba.
terça-feira, 23 de dezembro de 2008
as putas continuam chegando
Compartilho com vocês uma partezinha do meu botim:
meninas tranqüilas e limpas com lindos vestidos...
todas as que conheci são putas, ex-putas,
loucas. Vejo homens com mulheres tranqüilas, amáveis - os vejo nos supermercados,
os vejo caminhando juntos pela rua,
os vejo nos seus apartamentos: gente em
paz, vivendo juntos. sei que sua paz
só é parcial, mas há
paz, freqüentemente horas e dias de paz.
todas as que conheci são viciadas nas pílulas,
alcoolatras, putas, ex-putas, loucas.
Quando uma vai embora
chega outra
pior que a anterior.
Vejo tantos homens com meninas tranqüilas e limpas
bem vestidas
meninas com caras que não são lobescas ou
predatórias.
"não tragam nenhuma puta mais para cá", digo para
meus poucos amigos, "vou me apaixonar por ela".
"não poderias estar com uma boa mulher, Bukowski".
preciso de uma mulher boa. preciso de uma mulher boa
mais do que preciso do meu carro, mais do que preciso
de Mozart. preciso tanto de uma mulher boa que
posso saboreá-la no ar, posso sentí-la
na ponta dos meus dedos, posso ver ruas construídas
para que seus pés caminhen,
posso ver travesseiros para sua cabeça,
posso sentir meu sorriso que espera,
posso vê-la acariciando um gato,
posso vê-la dormindo,
posso ver suas pantufas no piso.
sei que existe
mas... onde está ela nesta terra
enquanto as putas continuam chegando?
BUKOWSKI
conversas
Acordou quando estávamos quase chegando, mas ainda tive tempo de descobrir que ele levou um tiro na perna quando estava em serviço, que tinha só um rim, que Caxias hoje conta com aproximadamente 80 câmeras de segurança espalhadas em pontos estratégicos, que existe um filme chamado 'Pollyanna', que tem um filho engenheiro elétrico que dá aulas no SENAI, que sua filha cursa fisioterapia, e que no final da década de 70 ele lucrou muito com ações, mas por pura sorte.
Ainda me deu uma aula de economia falando sobre a crise americana ("Não que eu seja petista, mas o Lula tá conseguindo segurar bem as coisas agora na crise") e seus impactos. Este assunto lembrou-lhe de um outro filme, que mostrava o drama da crise de 29.
Há esta altura eu já me perdia em meus pensamentos, mas sua vontade de conversar era tanta que respostas monossilábicas o satisfaziam, e o senhor continuava falando, agora sobre a conta de água da sua casa.
Achei muito divertido. Apesar de já ter conhecido muitas pessoas assim, que contam sua vida sem a menor cerimônia, isso ainda me espanta, pois é algo que eu não faria. Mas acho incrível esse compartilhamento.
Despediu-se com um forte aperto de mão: "Foi um prazer, e que Deus te abençoe!".
terça-feira, 16 de dezembro de 2008
O inesgotável e agora centenário Levi-Strauss
“
segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
Auto-exílio
Cumpro, hoje, o oitavo mês de exílio em Buenos Aires. Fui um dos primeiros em deixar meu país, após consumado o golpe de Estado. Fiz o que estava ao meu alcance durante os primeiros tempos da resistência. Não poderia, logicamente, afirmar que fiz tudo o que era possível, pois seria hipocrisia. Entretanto, o que pude conceber como realizável em meio aquele cenário extremamente confuso e inesperado, foi posto em prática. Levei a cabo uma rebelião solitária que atravessou distintas fases e corrompeu-se, finalmente, com minha tímida aproximação aos partidos políticos ainda não extintos. Essas agremiações, a duríssimas penas, debatiam-se contra as paredes sufocantes da nova institucionalidade, mal conseguindo impingir pequenos reveses ao autoritarismo corrupto já comodamente alojado nos gabinetes de jacarandá da Capital Federal.
Entreguei as armas num dia qualquer de agosto, quando, subitamente, me vi acometido por violenta sensação de guerra perdida e campo arrasado. Nenhum evento especial me levou a abdicar da condição de subversivo interno. Gostaria de poder dizer que o aparato repressivo estava no meu encalço, mas não. Outros tantos nomes encheriam as listas de procurados antes que eu, quem sabe, viesse a ser incluído nos catálogos policiais. Não nego que me apeteceria empreender alguma emocionante fuga do país, contudo, meu embarque no aeroporto, foi dos mais banais: espera de quinze minutos na fila para o “check in”, vinte minutos mais na sala de embarque e, por fim, a decolagem num avião da Aerolineas. Em poucas horas, após viagem sem turbulências, começava minha vida no exílio auto-imposto.
Confesso que durante as primeiras semanas em Buenos Aires, cheguei a questionar a validade da aventura do exílio mas, uma vez que me senti incorporado as fileiras da boemia nativa semi-intelectual , um morno conforto passou a pautar minha vida cotidiana. Sim, transcorrido o primeiro mês em terras estrangeiras, eu já tinha uma rotina , uma cotidianidade. Acordava não antes das dez horas da manhã, tomava café no hotel, comprava o jornal – do qual lia apenas os artigos menos mundanos da seção cultural – e, na parte da tarde, me dedicava a caminhadas mais ou menos demoradas pelo Centro ou por San Telmo.
Do terceiro mês em diante, tomei por hábito gastar as horas interpostas entre o meio dia e o anoitecer num bar-restaurante de Palermo. Ali, fiz amizade com o garçom que, para selar nosso vínculo de camaradagem, deixou de cobrar-me pelo ovo adicional que incrementava os sanduíches quentes do meu café da tarde.
As noites foram preenchidas com porres ocasionais, Haydeé e rasa conversa literária, que entretinha por longas horas a mim e aos meus amigos. Causava-me certa graça observar o entusiasmo e o orgulho com que alguns me apresentavam aos demais membros do seu círculo de relações como “exilado político”. Percebi que, naquele meio social, ter proximidade com portador de semelhante título de nobreza era um potencializador de status. Como nesse sistema de trocas simbólicas eu só tinha a ganhar, dramatizava com exagerada veemência o papel de lutador social desterrado pelo Estado autoritário. Por vezes, me soava medíocre a maneira como todos se mobilizavam para dar legitimidade a minha vulgar atuação. Quiçá só eu visse as coisas daquela forma, precisamente por conhecer muito bem o pequeno-burguês acomodado que se ocultava com ardil sob a roupagem de intelectual engajado.
No décimo dia de cada mês, recebia algum dinheiro em minha conta do Banco de la Nación. Tais ingressos eram fruto da preocupação do núcleo familiar com meu bem-estar. Vez que outra, conseguia vender fotografias para um órgão alternativo de imprensa que desenvolvia atividades no meu país e desferia ácida crítica a ditadura. Isso subsidiava a manutenção do meu equipamento de trabalho, bem como da minha rotina de bares. Poucas vezes me animei a sair de Buenos Aires. Entre minhas escassas incursões a outras partes da República Argentina, confiro especial destaque a uma viagem realizada à província de Corrientes para registro fotográfico do culto a santos populares da região. Os custos dessa pequena expedição foram cobertos por uma revista etnográfica de Oluapãos, a grande metrópole da minha terra natal. Recebi, por correio, um exemplar da publicação acadêmica. Nela, estava em destaque o artigo ilustrado com as fotografias creditadas a Martim Assunção, “correspondente no exílio”. Ao percorrer com os olhos essas palavras, não pude deixar de esboçar sorriso sutil e parcialmente irônico. Logo de duas ou três menções ao meu nome nos periódicos da “contra-mídia combativa”, chegava a minha caixa de e-mails vetusta quantidade de mensagens: estudantes aduladores externando solicitude com respeito as minhas intervenções na imprensa alternativa; outros exilados buscando a formação de redes de apoio e resistência no exterior; convites para escrever artigos ou enviar imagens. Em fim, nada que me comovesse especialmente.
Hoje pela manhã, percebi que meu cotidiano exalava o cheiro do marasmo. Questionei pela segunda vez a viabilidade do auto-exílio. Ainda ébrio pelo Fernett, comprei passagens de volta ao meu país, pois o regresso se me apresentava como única alternativa ao devir enfadonho que, não tão longe, se delineava. Liguei para Oscar Aldunate, um amigo uruguaio com quem compartilhara idéias semelhantes e um mesmo apartamento, meses antes de partir ao desterro. Queria que ele me colocasse a par do que estava acontecendo no pago que havia deixado há meses. Ademais, necessitava alguma manifestação efusiva de satisfação diante do meu retorno e, bem sei, Oscar é afeito ao exagero, sendo assim, me pareceu capacitado para tal tarefa. Não posso negar que recebi com surpresa – obviamente menor que aquela performatizada por mim durante o diálogo telefônico – a notícia da inclusão do meu nome na lista de procurados pela Polícia Federal. Como se não bastasse, o Ministério de Relações Exteriores da ditadura, fazia uma semana, conferira-me o título de persona non grata, impedindo-me, portanto, de pisar em solo nacional. “Lo siento Hermano, pero si querés volver a este país, tendrás que cruzar la frontera a pie y disfrazado de vaca. Te puedo ayudar si querés”. “Lo voy a pensar, Oscar. De todos modos, gracias”. Desliguei o telefone, ganhei a rua e senti o sol brando de março na cara. Minha mão, quase involuntariamente, deixou cair ao chão a passagem de retorno. Sentei-me no meio fio, acendi um cigarro e desejei que ele nunca terminasse.
sexta-feira, 5 de dezembro de 2008
E agora que sou professor?
quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
Sexualidade e Machismo na Banda Oriental ou "das percepções que plasmei com Paula na mesa do bar"
Aos solteiros, homens ou mulheres, faço um rápido esclarecimento: se tiverem planos de viajar ao Uruguai, mais especificamente a Montevidéu, não desanimem. Os apontamentos eventualmente desestimulantes que podem aparecer nas linhas seguintes são fruto de observações quase desinteressadas, reflexos de experiências pessoais, projeções que beiram o perigoso generalismo.
Há tempos me chama a atenção o fato de as mulheres uruguaias serem menos extrovertidas e extravagantes que suas congêneres brasileiras em diversos planos, inclusive no da performance sexual. O sexo, ainda que ronde as mentes orientais (gentílico para os nascidos na República Oriental do Uruguai) com tanta intensidade como ronda as mentes tupiniquins, aflora de maneiras distintas no cotidiano dos uruguaios. Expressar atração sexual mediante trova (ou, como preferem os paulistas, xaveco) é uma aventura e um risco que praticamente está negado a moça nascida na margem norte do Rio da Prata (talvez coisa semelhante ocorra na margem Sul, em Buenos Aires, mas esse é assunto para outro momento). Durante nossa conversa no Lobisón, Paula passou em revista uma série de situações por ela vividas onde ficou patente o desconforto dos homens uruguaios diante de situações nas quais o apetite sexual feminino pudesse romper com a lógica natural. Esta lógica natural é a que coloca o potente varão como único ocupante do lisongioso posto de conquistador, sedutor de multidões. No Brasil a prática dominante também aponta neste sentido, entretanto, novos discursos – dos quais não me arriscaria a conjeturar o teor de hipocrisia – têm ganhado visibilidade e alcançado legitimação. O que chama a atenção no Uruguai, entretanto, é o amplo respaldo social auferido ao mais escrachado machismo. Paula alertou-me, por exemplo, para o teor das “cantadas” recebidas pelas mocinhas nas ruas e bulevares da capital uruguaia. Usando como comparação os gracejos masculinos correntes em terras brasileiras, minha companheira de mesa identificou, nas cantadas uruguaias, um conteúdo bem mais violento. Para Paula, as manifestações verbais de atração sexual nas ruas do Brasil soam muito mais como um “convite”, uma “proposta” - que pode variar no seu teor desde um comedido “casa comigo” a um despudorado “vem cá que eu vou te comer”. Já no Uruguai, as cantadas teriam uma marcada conotação de diminuição da mulher, de esterilização social: “puta”; “te voy a garchar”; “mirame, putita”; “está buena la perra”.
No âmbito das relações entre companheiros de trabalho, também a conduta da uruguaia está cuidadosamente vigiada, a mercê de uma série de qualificativos nada prestigiosos. Sair com alguém com quem se divide o mesmo ambiente de trabalho é algo delicado. Nem sempre, o fato de uma mulher beijar um homem significa que está disposta a partilhar com ele todos os dias da sua vida até o último. Contudo, na Banda Oriental, o compromisso, a relação baseada na fixidez, é altamente desejada, sendo interpretada como desdobramento natural de uma boa noite de sexo. Obviamente o desejado, o legítimo, em diversas ocasiões não pauta a totalidade das práticas sociais. Arriscar-me-ia a dizer, inclusive, que a maioria das condutas não reflete o socialmente desejado em sua integridade. Há margens de diálogo e espaço para a astúcia. Todavia, nos escritórios e talvez salas de aula uruguaias, as margens para a divergência são bastante policiadas e o discurso dominante acena com a arma da rotulação quando limites são forçados. Na opinião de Paula, um dos mais poderosos e difamadores adjetivos aplicados a mulheres que experimentam alguma rotatividade de parceiros e acabam sendo descobertas – e num clima de fábrica, escola ou escritório as “descobertas”, tornadas públicas, podem ser altamente lucrativas– é “atorranta”. “Atorranta” significa “vagabunda” quando aplicado a mulheres. Contudo, um homem “atorrante” é apenas um “chato”. Investida da condição de “atorranta” uma moça já não pode ser levada a sério, perde prestígio, pode ver comprometido seu capital social. No Uruguai, Paula me comenta que está sujeita uma série de adjetivos que no Brasil, apesar de vigentes, não se aplicam tão maciçamente: por ter cabelinho curto, é lésbica; por não possuir parceiro fixo, “atorranta”; por ser intelectualizada, é temerária para muitos. Não pude deixar de me lembrar do comentário que ouvi de um amigo a respeito de suas exigências no mercado matrimonial: “prefiero mujeres huecas” (prefiro mulheres ocas). Juan, conhecido meu, gay, lamentava: “me da asco estar con otros hombres, aunque me gusten, porque fui enseñado a odiar a los homosexuales” (tenho nojo de ficar com outros homens, ainda que eu goste deles, porque fui ensinado a odiar os homossexuais).
As franjinhas deitadas sobre um dos lados do rosto, os sapatos baixinhos, uma simpatia sincera, mas cuidadosamente manobrada de modo a não escorregar em malícia, são característica de muitas meninas uruguaias entre doze e vinte e poucos anos. “Cuando se vuelven más viejas, tienen más actitud” (quando ficam mais velhas, têm mais atitude), avaliou alguém. A punheta é instituição altamente definidora da adolescência. Mas há meninos uruguaios que se queixam de, aos vinte anos, ainda não terem superado essa etapa da juventude no que tange a ampliação dos horizontes sexuais. Mais sorte têm os “muchachos” do campo, que podem contar com o tradicional “debut” de prostíbulo e com os concorridos traseiros ovinos. “Después uno se resigna”, afirma Homero, olhando tristemente para o chão, “se resigna y aprende a esperar a que se le cruce una veterana” (se resigna e aprende a esperar até que uma veterana cruze seu caminho). Estabelece-se, assim, um tenso e engessado marasmo sexual corroborado por homens e mulheres de forma mais ou menos consciente.
“Brasil es el paraiso sexual!”, exclamou Paula já no final da última garrafa de Patrícia Negra. Concordei sem reservas.