sábado, 10 de dezembro de 2011

Pensei em Juan Gelman

Buenos Aires ferve
nos vidros e ferros do
mercado velho

O Rio da Prata coagula
bizarro, ambíguo
entre Paraná e Atlântico

Montevideo é suas
boas-vindas albanesas
de prado reto e urbe gris

A 1000 Km/h e 50 min dali
outro coágulo
entre docas e ilhas:

É Porto Alegre, sua vida
ao Sul; sua vida no âmbito
das horas que faltam
para a Revolução.

Braços que são quase nada

A flor branca da tangerina
debruça-se sobre a janela
do quarto clausurado
dentro, ares de
alcatrão e perfume

É a alcova do meu
despertar convulsivo,
rasgado
pelo arfejo duns pulmões
débeis e grises

Sou espáduas transpirantes,
olhos congestionados,
a crisálida escura no peito,
os pés tortos,
braços que são quase nada,
unhas que crescerão até horas depois
da minha morte.

Sou a velhice precoce e a
jovialidade censurada
que irrompe grotesca;
o jovem-branco-pequeno-burguês que
a estrutura arbitrária
da norma dita e não-dita
tritura sem pesar.

Pradarias em verão

Quero de volta meu estar
Nesse mormaço estival de jasmins azedos
Nessa úmida lufada de folhas sob o
crepúsculo plúmbico.

Mas as pradarias do Sul em verão
perdem-se dos homens e das mulheres,
aniquilam a espiga, o gérmen de
trigo, a viscosidade vívida e
malemolente do prateado dorso
dos peixes.

As pradarias do Sul em verão
perdem-se de mim;
resto absorto, envolto pelo calor
total que calcina corpos
e inflama angústias.

Não me peçam


Deem-me tempo para a
calçada, para a solidão
fora do gueto, para o roçar
da sola de borracha na superfície
desgastada do granito úmido
onde repousam flores roxas.

Não me peçam que escreva
nada sem antes atravessar lentamente
a madrugada ébria e a
manhã de náuseas.

Não me peçam que escreva
nada sem antes revisar
a poesia de América e
os arquivos de causas perdidas.

Deem-me tempo para envolver-me
com gentes duvidosas, embalado
por rompantes meus, por
convites de estranhos (estranhos meus),
por solidariedades militantes.

Não me peçam que escreva
nada sem antes ter me desiludido
[com vocês,
ter desertado de vosso assombroso
coro de espíritos anêmicos

Não me peçam que escreva
nada sem antes ter escolhido
uma crítica situada,
contra vossa crítica que pretende
vir de lugar algum,
ou vir d'Antropologia:
o que dá no mesmo.

Não me atropelem com vosso
monolito de papel que massacra
a alegria, que abafa
o ruído absurdo sob vossa
voz precariamente livre, impávida.

O ruído se parece à palavra não.

Não à tristeza que institucionalizastes
para chorar vosso fracasso de classe,
Não à tristeza que institucionalizastes
para albergar vossa crítica oficiosa;
vossa crítica que não se sustenta
acolá do efêmero eco
da palavra enunciada a sós.