sábado, 10 de dezembro de 2011
Pensei em Juan Gelman
Braços que são quase nada
Pradarias em verão
Não me peçam
domingo, 14 de agosto de 2011
Medida de mis faltas
quinta-feira, 30 de junho de 2011
Poesia torta para uma tarde de Junho, para a tarde de 18 de Junho de 2011
segunda-feira, 6 de junho de 2011
Quando um intelectual é livre, se nota
Alex Martins Moraes
Dizem que o Rio Grande do Sul é o estado das polarizações e dos extremismos. Os gaúchos se pensam com relação a antinomias intransponíveis. Colorados e gremistas, petistas e antipetistas (ou seria reacionários e progressistas?), macho e fresco. Alguns sugerem que a origem destes dualismos remonta um passado de guerras e divisões políticas: republicanos e legalistas, ximangos e maragatos, castilhistas e anti-castilhistas. Enunciar dramas sociais através de oposições definitivas e transcendentes nunca assombrou os rio-grandenses. Juremir Machado da Silva é das poucas pessoas que se arrisca a desestabilizar publicamente dualidades de longa data consolidadas no imaginário local. Nosso autodenominado escritor maldito faz questão de explicar aos leitores do Correio do Povo que a agudeza irônica dos seus textos rompe os limites arbitrários de nossas desgastadas oposições. É possível – nos ensina Juremir – assumir uma postura política consistente sem se definir com respeito aos rótulos previamente dados. Juremir Machado se diverte lendo os e-mails enviados pelos leitores. Conta que ao longo de sua carreira jornalística, os textos que escreveu já lhe renderam toda a sorte de adjetivações, algumas delas, mutuamente excludentes: comunista - antipetista, obtuso - esclarecido. As reações do público que acompanha suas crônicas diárias revelariam a perplexidade causada por um estilo singular de narrar a realidade. Juremir Machado da Silva está na vanguarda, alcançou a consciência pós-moderna, para usar uma das poucas categorias que o escritor maldito reivindica para si.
Assim, armado com uma potente ferramenta de análise da realidade, o misterioso colunista do Correio do Povo se lança nos mais candentes debates sociais do seu tempo. Atento a pauta dos grandes jornais do país, Juremir traz aos pampas aquelas discussões que realmente importam e sugere uma forma inovadora de interpretá-las. Não se deixa seduzir pelos fanatismos políticos, pelas lealdades cegas, pelo ranço das elites, pelo cinismo de certas ideologias. É o livre-pensador por excelência. Contudo, ocupar um lugar legítimo de fala requer que façamos concessões aos cânones da hegemonia. Juremir Machado, consciente destas restrições, ritualiza uma adesão aos regimes de hierarquização e validação do saber. Regularmente ele repassa as produções mais importantes de sua carreira, relembra a densidade do seu currículo Lattes, evoca constantes viagens à França e diálogos com intelectuais respeitados. Todos estes são movimentos estratégicos. Às vezes é imperativo demonstrar que percorremos o circuito que conduz à legitimidade para, ato seguido, desnaturalizar os termos em que estão colocados os jogos sociais e expor a arbitrariedade que lhes é subjacente.
Muito pouco fica de pé depois da ácida crítica machadiana. Não, machadiana não. Juremir rejeitaria este rótulo não apenas por sua falta de originalidade mas também porque reporta à figura de um escritor que se encontra nas antípodas da postura política do cronista maldito. Refiro-me a Machado de Assis, este negro traidor que Juremir Machado se esforça por condenar no tribunal da história. ¿Como um escritor prestigioso e negro (ou mulato, não sei como se autodeclarava) foi capaz de se manter calado diante da ignominia escravocrata? Talvez porque numa sociedade onde a condição social do negro estava delineada por sua subordinação naturalizada ao trabalho braçal, um sujeito como Machado de Assis, filho de pais livres (mãe lavadeira, pai pintor de paredes), não se percebesse como vinculado à raça subalterna. Se bem a subordinação do negro parece ser uma constante na história brasileira, não foram sempre os mesmos dispositivos de exclusão que desencadearam a segregação e o genocídio. Ser negro nem sempre significou a mesma coisa que significa hoje. O caso de Machado de Assis é, sem dúvidas, bom para pensar. Mas as colunas jornalísticas raramente são um lugar apropriado para este tipo de atividade do espírito. O espaço é curto, o público alvo, sumamente heterogêneo. Como fazer para, diante destas contingências, manter uma postura afrontadora, franco-atiradora e profundamente crítica? Difícil. Juremir, realista e consciente, abre mão da terceira exigência retendo as duas primeiras. São elas, ao fim e ao cabo, que definem um escritor maldito.
Juremir duvida dessas posturas teóricas que tendem a reduzir tudo a meros “jogos de poder” sob o pretexto de incorporarem potencial crítico. A crítica está morta. Esta talvez seja uma das mais importantes lições que Juremir Machado nos traz da sua experiência direta de docente na Pontifícia Universidade Católica. Lá, seus alunos aprendem que o “sociólogo marxista (!!!) francês” Pierre Bourdieu banaliza (?!) as regras sociais ao demonstrar sua natureza arbitrária. Tem de haver algo mais profundo detrás dos fenômenos que polarizam a sociedade. Deus, assim como a crítica, o marxismo e a modernidade, está morto. É necessário, então, recorrer a outras explicações. Juremir avança em sua busca da natureza das relações sociais. Ele se afasta das dicotomias estabelecidas, toma a distância correta para começar a disparar. Surgem, então, os postulados que arrebatam a cacofonia antinômica que engessa os debates sociais no Rio Grande do Sul. Neste momento, a originalidade e desprendimento do escritor maldito alcançam sua mais alta expressão. Juremir Machado da Silva realiza uma bricolagem onde se mesclam vernizes acadêmicos e categorias de valoração moral amplamente disseminadas no vernáculo reacionário. Desta mistura inusitada, brotam revelações afiadas. Machado de Assis, recortado do seu contexto social, se converte em traidor. À diacronia marxista e à sincronia estruturalista, Juremir Machado opõe a anacronia.
Diante da linguística demagógica representada pela Abralin, o quixotesco cronista do Correio do Povo igualmente se insurge. Não aceita o ponto de vista daqueles que entendem as disputas em torno das regras de uso de um idioma como “meras” dinâmicas caracterizadas pela reconversão de capital simbólico (conceito que Juremir confunde com o de “capital social”, seguramente de forma propositada, afinal o que importa mesmo para um escritor maldito é atirar em quem quer que seja, nem que para isto se faça necessário manipular o conteúdo do seu argumento – ler coluna do dia 25 /05/2011). Neste debate contra o “marxismo linguístico”, nosso abnegado cronista abre mão do seu afã por desestabilizar dualismos. Ele sequer arrisca postular uma opinião inovadora. Idioma é coisa séria e brincadeira tem limites. Estão em jogo, aqui, a manutenção ou recuo do poder expressivo da língua. Juremir incorpora a postura do intelectual sóbrio, que sabe colocar os pés no chão e lembrar algumas verdades básicas da vida em sociedade: a língua escrita é um dos lugares mais privilegiados para a realização da expressividade humana. Levando ao extremo esta afirmação, podemos pensar que a ignorância sistemática de certos aspectos da norma culta pode, progressivamente, nos levar a perder o poder de expressar a nossa subjetividade. Tudo se passa como se compartilhássemos as mesmas demandas expressivas com a diferença de que alguns sortudos conseguem manifestá-las de forma mais acabada e outros não. É necessário, portanto, sinalizar o certo e o errado se se quer evitar o obscurantismo disfarçado de relativismo. Juremir reconhece que cada época tem seus certos e errados e que estas noções mudam com o tempo e de acordo com as sociedades. Não deixam, contudo, de existir. Juremir as entende como algo quase concreto, palpável. Tão palpável quanto uma suposta universalidade das demandas expressivas da humanidade.
sexta-feira, 22 de abril de 2011
Do que as elites riem?
A imprensa gaúcha deu grande visibilidade ao projeto de lei do deputado Raul Carrion (Partido Comunista do Brasil) que tem por finalidade regular o uso de estrangeirismos nos meios de difusão escrita da informação. Alguns jornalistas sugeriram que o debate sobre a utilização de palavras estrangeiras na publicidade, nos jornais e mesmo em documentos oficiais está desprovido de importância, visto que questões de grande monta aguardam, ainda, uma adequada discussão em nossos parlamentos. Argumentos semelhantes são levantados quando se trata de problematizar a regulamentação da atividade jornalística ou mesmo a recuperação de informações que levem a identificar os responsáveis por violações dos direitos humanos durante a ditadura militar. É embaraçoso constatar o esforço da mega-imprensa em determinar aquilo que deve ou não ser posto em pauta na esfera institucional.
Apesar da jocosidade maliciosa e desinformativa que caracterizou a cobertura dos grandes jornais ao projeto de lei do deputado comunista Raul Carrion, o fato é que a discussão está colocada. Aumentar o nível do debate pode ser saudável. Opiniões críticas sobre o assunto em questão alertam para a dificuldade de implementação da lei e sugerem que, no geral, ninguém tem dificuldades para compreender vocábulos estrangeiros já amplamente disseminados. Alguns acadêmicos lembraram que os idiomas não constituem totalidades imutáveis. O português, como língua viva, atualiza-se mediante empréstimos variados. Ocorre que a lei aprovada no RS não visa proibir o uso de palavras provindas de outras línguas. O deputado Carrion propõe que, quando vocábulos estrangeiros apareçam em qualquer texto de ampla difusão, sejam ou traduzidos ou explicados ao leitor. Isto, sem dúvidas, promoveria um uso reflexivo e, portanto, qualificado da escrita.
Quero chamar a atenção, agora, para outra dimensão que caracteriza o uso de estrangeirismos em diversos textos que nos interpelam cotidianamente. Refiro-me a dimensão da violência social implícita em qualquer ato comunicativo que, dirigindo-se a um público amplo, priva determinados indivíduos de uma compreensão mais integral do conteúdo vocabular do texto enunciado. Os processos de diferenciação, segregação e exclusão operam por meios variados. Entre eles, o idioma. Não é coincidência que, na maioria das colunas sociais, termos como “coiffeur”, “cool”, “in”, “out”, irrompam sistematicamente para descrever a sedutora vida social das nossas elites econômicas. Falar e não ser entendido pode ser muito rentável às vezes. Tão rentável quanto insinuar que todos entendem o manancial de palavras estrangeiras que pontilham peças publicitárias e matérias jornalísticas. Quem desconhece o sentido de determinado termo é automaticamente convertido em aberração. A naturalização dos estrangeirismos naturaliza, também, eventuais estratégias de distinção alentadas pelo manejo desse tipo de vocábulo.
Mais do que inflamar o debate entre ortodoxia e heterodoxia, o projeto de Raul Carrion nos convida a refletir sobre os usos do idioma no contexto de uma sociedade violentamente desigual. A chacota e o deboche deram, até agora, a tônica da controvérsia gerada pela Lei 156/2009. Este parece ser mais um sintoma do embaraço causado pela visibilidade que o uso de estrangeirismos recebeu no Legislativo gaúcho. Costumamos rir daquilo que nos constrange. Transformamos em piada aquelas ideias que, se expressadas de outra forma, seriam intragáveis. Que preconceitos e práticas segregacionistas se ocultam sob as gargalhadas generalizadas?
quinta-feira, 17 de março de 2011
A própria vida
Meia noite, rue des Bernardins
sexta-feira, 11 de março de 2011
Notas sobre uma possível intervenção na Líbia
Alex Martins Moraes
Não é difícil colocar em xeque o maniqueísmo midiático em torno da crisa na Líbia. As manchetes vêm sugerindo que um cruel ditador enfrenta com bombas a insurreição democrática dos seus cidadãos. Bastaria apontar, entretanto, que os jornais não oferecem absolutamente nenhum elemento que nos possibilite entender quem são estes sujeitos rebelados contra o regime estabelecido para concluir que é quase impossível posicionar-se com relação ao conflito líbio. Quais objetivos políticos estão em jogo na Líbia? Com base nos elementos disponibilizados exclusivamente pela imprensa brasileira, só podemos responder que é muito difícil avaliar o que ocorre no Norte da África. Mais difícil ainda é emitir juízo moral sobre os enfrentamentos em questão.
Parece que às vezes os jornalistas esquecem que nem todas as pessoas têm sobre si a obrigação que, diariamente, lhes é imposta nos lugares onde trabalham: pensar rápido. Tal obrigação produz resultados perversos. Repetem-se as mesmas análises políticas baratas e objetivadoras nos meios de imprensa de todo o globo: um desperdício da internet, esta alardeada ferramenta de pluralização das vozes e das ideias. Mas não nos contentemos apenas em identificar a existência de infinitas redes reprodutoras dos mesmos jargões. É preciso, ainda, dizer que tais redes estão hierarquizada por uma verdadeira divisão internacional do trabalho informativo. As grandes agências, atreladas aos poderosos interesses capitalistas, produzem uma vasta gama de interpretações rasteiras que são fartamente consumidas pelos jornalões brasileiros. Dou um exemplo. O Estado de São Paulo, mesmo tendo enviado um correspondente à Líbia, não consegue controlar sua gula reprodutora. No dia oito de março, referido jornal publicou em seu site uma matéria copiada e colada da agência Reuters. O texto relata as recentes movimentações de tropas governistas e rebeldes. Suas linhas estão pontilhadas de “pitadas analíticas” do tipo: “governos estrangeiros se esforçaram para acordar uma estratégia unificada para lidar com a turbulência no país produtor de petróleo, que Kadafi governa em estilo autocrático e quixotesco desde que tomou o poder em um golpe militar, em 1969”. A matéria original da Reuters não foi alterada em nenhuma vírgula (ver texto em inglês: http://af.reuters.com/article/topNews/idAFJOE72700R20110308). Parece que nossos jornalistas, satifesteitos com as gotas de sabedoria das agências que dominam o mercado da informação, optaram por perfilar-se na oposição a Kadafi. Agora eles não vêem a hora de poder cobrir (ou, melhor dizendo, copiar e colar a cobertura de outrem) uma “intervenção internacional” na Líbia.
Como eu não preciso e nem quero pensar rápido, desisto, de antemão, da quixotesca tentativa de deslindar as razões e raízes do conflito líbio à luz das opiniões e análises fornecidas pelas vozes autocráticas da imprensa de sempre. Acredito ser mais sensato indagar sobre o significado de uma intervenção externa no Estado africano. A respeito deste tema, aliás, temos uma pluralidade de informações a disposição. É possível compará-las entre si e pensá-las à luz da experiência histórica recente no que tange aos conflitos do mundo árabe. Para os fins deste artigo, proponho uma pergunta tão banal quanto interessante: o que significa(ria) uma intervenção internacional na Líbia?
Posso abordar a questão proposta de três formas, procurando respeitar, assim, a amplitude do tema. Primeiro, é necessário explicar o que significa intervir militarmente nos assuntos internos de um país do ponto de vista das relações internacionais. Segundo, há que saber se existe apenas uma modalidade de intervenção em jogo. Terceiro, é interessante sinalizar os possíveis resultados de uma ingerência de tipo militar tendo em vista casos semelhantes ocorridos no Oriente Médio e nos Balcãs em tempos recentes.
Em primeiro lugar, intervir militarmente em qualquer país significa cercear sua soberania nacional. Desde o século XIX, com a queda dos grandes impérios europeus (leia-se, impérios que tentaram impor sua hegemonia sobre a Europa), o consenso nacional contemporâneo começou a avançar de forma cada vez mais definitiva. As alternativas imperiais foram postas em detrimento da perspectiva de coexistência de diversas nações dotadas de soberania territorial e preocupadas em establecer estratégias eficazes de governo da sua população e dos seus recursos. Do ponto de vista da política exterior, estabeleceu-se uma espécie de consenso colaborativo segundo o qual cada país dependia dos demais para atingir sua prosperidade que era, trambém, a prosperidade da própria Europa. Terminada a Segunda Guerra Mundial e derrotado um dos últimos intentos de constituição do império (III Reich), foram criadas diversas organizações multilaterais entre as quais o modelo mais acabado se chama ONU. Estas organizações regulam o direito internacional e impõem limites ao exercício das soberanias nacionais. Sendo assim, restringir a ação soberana de qualquer governo não é, por si só, uma violação da normativa vigente em âmbito supranacional. Avaliar o sentido de uma eventual ingerência internacional na Líbia exige, necesariamente,
A única organização em torno da qual existe um consenso legitimador mundial é a ONU. Recentemente, o líder líbio Muamar Kadafi sugeriu que as Nações Unidas enviassem uma comissão encarregada de avaliar se estão ocorrendo as alardeadas violações maciças aos direitos humanos no país. Trata-se de uma reivindicação aceitável, afinal, é a ONU que opina com maior legitimidade sobre o que são ou devem ser os direitos humanos – esse tema tão controverso. O envio de uma comissão plurinacional destinada a definir se o governo da Líbia está fustigando civis significa, logicamente, intervir nos conflitos sociais desencadeados em um país específico. Uma comissão nomeada pela ONU suspende, temporariamente, o poder de um governo de falar sobre si próprio aos olhos do mundo. Qualquer constatação da ONU levaria em conta os pareceres dos seus funcionários e não os do presidente Kadafi. A partir daí, os órgãos competentes das Nações Unidas poderiam definir sanções políticas, econômicas e militares cabíveis.
Os rebeldes que lutam contra o governo de Kadafi sugerem a necessidade de imposição de uma Zona de Exclusão Aérea (No Fly Zone) sobre o país norte-africano. Estados Unidos, França e Grã-Bretanha também endossam semelhante alternativa. Esta é outra possibilidade de intervenção que pode ou não se desencadear com o aval da ONU. Como Rússia e China, membros com poder de veto no Conselho de Segurança, estão reticentes quanto a necessidade de bloquear o espaço aéreo líbio, é muito provável que um Zona de Exclusão Aérea, se imposta, seja operada por outro tipo de concertação internacional (OTAN, UE, Liga Árabe). Se isto vier a ocorrer, é de se esperar que o exército líbio reaja. Neste caso, para manter o fechamento dos céus, seria necessário destruir toda a infraestrutura de defesa antiaérea do país, ou seja, entrar em guerra com a Líbia e assumir as consequências políticas e humanitárias que este tipo de situação engendra. Pergunto, então, se uma intervenção de tipo militar contra o governo instalado em Trípoli não acarretaria, no fim das contas, o prolongamento do conflito.
Os primeiros protestos que estouraram no país de Kadafi foram interpretados como reverberação da crise egípcia e tunisiana. Entretanto, o posterior desenrolar da situação deixou claro que existiam diferenças entre cada um destes contextos nacionais. À medida que os dias passavam, o governo líbio demonstrava capacidade de administrar os confrontos, impondo reveses importantes aos insurgentes. Longe de bater em retirada, Kadafi reagiu com armas a uma sublevação igualmente armada que muito pouco parecia ter de espontânea. O problema é que agora o líder líbio, tão afeito ao ocidente e apoiador declarado da “guerra contra o terror”, se tornou um entrave para os intereses norte-americanos e europeus na região. Segundo o site de informação Réseau Voltaire, o coronel Kadafi, ex-nasseriano, especilizou-se, durante anos, em fazer um jogo dúbio, correndo o risco de, muitas vezes, jogar em dois campos ao mesmo tempo. Ele ostentava um discurso ultra-radical contra o imperialismo estadunidense e o sionismo ao passo que servia aos seus interesses liquidando, por encomenda, alguns dos principais opositores ao regime. Kadafi nunca empreendeu nenhuma ação contra Israel e estava oficialmente reconciliado com os EUA desde 2003. Contudo, seu ressentimento para com os líderes da Europa e dos Estados Unidos poderá ter consequências (econômicas) nefastas. Isto porque, ao sentir-se traído pelo “ocidente”, Kadafi não titubeará em estremecer a “tranquilidade” da África mediterrânea – garantida, há décadas, por governos autoritários pró EUA e UE. Solução pragmática: aproveitar a roupagem popular – desbotada, é certo – da revolução líbia para derrubar Kadafi sem chocar a comunidade internacional. Benefícios da solução pragmática (ou seria “capital-pragmática?): estabilização do abastecimento de petróleo, baixa do preço do barril e preservação de uma zona política tampão no Magreb capaz de isolar o Irã e garantir a manutenção dos interesses de Israel. Quantos coelhos numa única cajadada!
Última questão. Está atestada a eficácia das Zonas de Exclusão Aérea? Pois bem, elas foram impostas ao Iraque, no governo de Bush pai. Saddam Houssein, entretanto, permaneceu no poder por mais de uma década até ser derrubado mediante invasão terrestre estadunidense. Na Bósnia também foi imposta uma zona de exclusão aérea, contudo, apenas a ocupação da região pela OTAN apazigou o conflito: uma paz de cadáveres.
Material consultado a respeito do conflito na Líbia:
Libye : les enjeux d’une zone d’exclusion aérienne, Philippe Leymarie: http://blog.mondediplo.net/2011-03-07-Libye-Exclusion-disent-ils
Países Árabes – o vento que agita o rio, Moisés Saab: http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=149139&id_secao=9
Israël vole au secours de son allié Khadafi: http://www.voltairenet.org/article168711.html
quinta-feira, 10 de março de 2011
Yo no soy machista, y qué?
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
Últimas "instruções para cevar o mate"
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
Instruções para cevar o mate - 2
sábado, 5 de fevereiro de 2011
Instruções para cevar o mate
domingo, 30 de janeiro de 2011
RiO PoA
No Rio de Janeiro, existe uma espécie de “glamurismo” talvez associado à impactante presença dos estúdios da Rede Globo na cidade. Muitos jovenzinhos cariocas mais ou menos descolados querem ser artistas ou, pelo menos, aparentar alguma proximidade com o meio artístico. Criados em apartamentos no Leblon, na Lagoa ou em “Copa”, aprenderam, desde cedo, a escutar Chico Buarque, ler o básico dos autores russos, arranhar francês e levar esse papo de desigualdade com leveza, na brincadeira. Aos vinte e poucos anos, alguns fazem teatro, outros jornalismo, talvez história, letras. Estetizados ao extremo, exprimem com gestos afetados uma sofisticação intelectual e um desprendimento social que não resistem de pé mais além dos figurinos. Falando de figurino, lembro-me de uma situação, no Baixo Gávea, que ilustra bem a atmosfera cênica que inebria a juventude carioca. Ao me abordar, um vendedor de cerveja quis saber de onde eu era. Respondi que vinha de Porto Alegre. Ele disse que morava no Rio, era nordestino, fazia teatro, tinha figurado em duas novelas globais. Comentou, também, que ao viajar para seu estado de origem, recebia tratamento diferenciado quando diziar ser do Rio de Janeiro. Esse sujeito, que vou chamar de Pedro, puxou um papo que tinha toda a aparência de floreio introdutório a duas informações cruciais: 1) ter participado de novela; 2) ser, a pesar dos pesares, um artista. No Baixo Gávea, Pedro se traveste de vendedor e empunha seu isopor alegórico para oferecer cerveja aos playboys pedantes que, bem no fundo, são “iguais” a ele: gente da TV, gente do teatro. As diferenças entre as pessoas parecem reduzir-se a questões de figurino. Existe um muito bem consolidado “modelo” de jovem admirável cujo fulgor seduz a dominantes e dominados. Os primeiros se divertem, os segundos se frustram. Nessa encenação juvenil, o drama é sempre o mesmo e a função de interpretá-lo cabe a um elenco quase estamental. Os papeis não mudam. Mas sem problemas, pega leve, afinal, é tudo brincadeira mesmo.
Em Porto Alegre, bom mesmo é ser subversivo, latinoamericanista, violeiro, gay, bi, rocker, mod, folk ou tudo isso junto . É chegar na mesa do boteco e jogar ali em cima, como cartas de truco, meia dúzia de “experiências de vida” que valem mais que contra-flor. Os naipes poderosos são, em ordem crescente: “viagem-a-buenos-aires”, “viagem-a-machu-picchu”, “participação-em-suruba”. Em ambientes revolucionários, as super cartadas variam, podendo ser: “ter-apanhado-da-polìcia”, “ter-comido-a-deputada-de-esquerda”, “ter-pixado-o-muro”. Parece que a juventude portoalegrina abastada (me refiro, prioritariamente, àquela que se criou na Zona Sul, no Bom Fim e, em menor medida, nos bairros emergentes da Zona Norte) vive a constante emulação da permissividade, da transgressão. Trata-se de uma retórica progressista tão avançada que, às vezes, soa reacionária, rotuladora, sexista, performática, desarraigada da ação transformadora. Porto Alegre também concentra bolsões de intelectuais críticos, principalmente na Av. Independência e em certos redutos da Cidade Baixa. O traço definidor dessa intelectualidade é seu anti-intelectualismo quase maoísta. Trata-se de um tipo de “intelectual orgânico” que Gramsci detestaria. Valorizam a longa exposição das suas façanhas e desprezam qualquer ânimo analítico que não tenha por base a evocação de percepções individuais pinçadas em experiências folk-etno-cool (créditos parciais desta expressão: João Quaresma). Os intelectuais mais ousados e vanguardistas enaltecem suas vivências “na vila” ou “no projeto pescar”, onde tiveram a oportunidade de conviver com negros e pobres pela primeira vez na vida e onde desenvolvem fervorosa atividade de moralização e iluminação dos subalternos. Os livre-pensadores portoalegrenses decantam um humanismo transcedental e burguês, leve e sincero, absoluto, individualista. Outros grupos, menos massistas e mais idealistas não acreditam que breves e lúdicos passeios pelo chão batido dos arrabaldes conduza a qualquer abertura mental ou revisão conceitual criativa. Recorrem, então, à ayahuasca (o “Daime”). Geralmente a narrativa que oferecem da sua intoxicação (ou “enteogênese”, no léxico local) vem acompanhada de um sorriso blaze ornamentado com gestos braçais lentos e arredondados partindo do centro do peito.
domingo, 16 de janeiro de 2011
La Abuela Grillo
terça-feira, 4 de janeiro de 2011
“Caso Battisti”: Rede Globo e ultra-direita italiana protestam em uníssono
Um fato recente nos ajuda a economizar longos resgates históricos e sistematizações teóricas para demonstrar o compromisso da mega imprensa com ideais antidemocráticos. No último dia do seu mandato, o ex-presidente Lula vetou a extradição de Cesare Battisti para a Itália. Ótimos artigos publicados no circuito alternativo detalham os aspectos históricos e jurídicos que rodeiam o “caso Battisti”. Não cabem dúvidas de que a decisão tomada por Lula é, pelo menos, aceitável e encontra suas justificativas no amplo manancial do direito internacional contemporâneo (sugiro a leitura do relatório elaborado pelo ex-ministro da justiça Tarso Genro ao conceder refúgio político a Battisti em 15 de janeiro de 2009: http://www.tarsogenro.com.br/artigos/fullnews.php?id=90). Quero centrar minha atenção no tipo de cobertura que a televisão aberta destinou aos últimos desdobramentos do "caso Battisti".
No dia 4 de janeiro de 2011, o Jornal Nacional da Rede Globo apresentou uma reportagem relativamente extensa onde se noticiava a reação de alguns grupos políticos italianos frente à opção do governo brasileiro por não extraditar o ex-ativista Cesare Battisti. Como o editorial da Globo desconhece os pronomes indefinidos, a expressão “alguns grupos políticos” foi alterada para “italianos” em uma frase do tipo: “italianos protestaram na frente da embaixada brasileira”. Posteriormente, a correspondente internacional da Rede Globo informou, diretamente de Roma, que partidos de direita e de esquerda teriam manifestado sua oposição a não-extradição do “ex-terrorista” Cesare Battisti. Se discutíssemos o tipo de valoração moral embutida no termo “ex-terrorista”, facilmente veríamos que está relacionado com a retórica da direita italiana (e brasileira, é claro). Seria, contudo, chover no molhado fazer a afirmação de que todo e qualquer termo que utilizamos em nosso cotidiano atende a interesses determinados. Não existe neutralidade nas palavras, até porque elas só fazem sentido em conjunturas sociais específicas das quais a ação política nunca está alheia. Somos animais políticos, afinal. Desejo iluminar, aqui, outro aspecto da reportagem, um pouco menos óbvio. Destrinchá-lo exige certo esforço no sentido de buscar dados alternativos que complexifiquem a notícia dos protestos na Itália oferecida pelo Jornal Nacional.
Ao dizer que grupos políticos de “esquerda e de direita” participaram das manifestações na embaixada brasileira, a correspondente européia da Rede Globo deu a entender que existe unanimidade dos italianos em opor-se à decisão do governo brasileiro. Não vem ao caso saber se ela, pessoalmente, quis dizer isso. O fato é que disse. Tampouco importa se estava mal informada sobre a composição do espectro político italiano. O fato é que se contentou com as informações que recebeu das suas fontes sem opor-lhes nenhuma crítica. A grande imprensa é assim, pensa rápido e reproduz mais rápido ainda. Ela se alimenta do senso comum, que é objetivo e transparente, “ingênuo” e espontâneo. Battisti “é” um terrorista, portanto, ninguém em sã consciência poderia defendê-lo. A lógica do raciocínio é tão simples quanto perversa.
Recorri a fontes italianas para conhecer quais grupos “de esquerda e de direita” protagonizaram os protestos em Roma, Milão e Turim. Não foi difícil encontrar falhas na reportagem da Globo. O diário La Reppublica (segundo em tiragem, pertencente ao grupo Espresso do financista Carlo de Benedetti) enumera sete coletivos políticos que se manifestaram publicamente a favor da extradição de Battisti: PDL (Povo da Liberdade), UDC (União dos Democratas Cristãos e de Centro), Movimento pela Itália, PD (Partido Democrático), IDV (Itália dos Valores), La Destra (A Direita) e Liga Norte. Os únicos partidos que não se auto-declaram de direita nesta lista são UDC, PD, IDV. O primeiro deles se considera de centro e os dois últimos estão na centro-esquerda, o que se poderia chamar de social democracia européia. Todos os demais partidos integram setores ultra-conservadores e mesmo fascistas da sociedade italiana. PDL é a agremiação de Silvio Berlusconi; Movimento pela Itália lidera, atualmente, uma campanha anti-musulmana e xenófoba; La Destra rompeu com o partido de Berlusconi por considerá-lo muito “moderado” e Liga do Norte representa um nacionalismo separatista e chauvinista que prega a expulsão de imigrantes provindos de países não-europeus. Diante destas informações já seria possível afirmar que a reportagem do Jornal Nacional é, no mínimo, reducionista. Entretanto, a má-fé não pára por aí. Os jornalistas da Rede Globo se esqueceram de noticiar outro acontecimento que teve visibilidade inclusive na imprensa conservadora italiana: foram fixados em diversos locais do centro de Roma chamativos cartazes (na foto) a favor da não extradição de Battisti. A frase principal declara: “Battisti livre”. Outro trecho diz o seguinte: “A perseguição terminou. A Inquisição cessou graças à determinação e coragem do presidente Lula. Os guardiões do capital, pelo menos desta vez, foram embora com as mãos vazias”.
Todas estas informações contribuem para iluminar o lado obscuro da cobertura jornalística hegemônica em torno do “caso Battisti’. Na reportagem da qual me ocupei aqui, a manipulação operou em dois movimentos. Primeiro, a opinião manifestada por grupos de ultra-direita e por pequenos e acanhados partidos de centro italianos foi pinçada pelos repórteres globais. Depois, aquela mesma opinião converteu-se, magicamente, em síntese da repercussão internacional da não extradição de Battisti. Ao conhecermos alguns dados obliterados pela redação da Rede Globo, podemos localizar com mais precisão que tipo de ideologia recebe destaque, diariamente, no noticiário nacional da família Marinho. Causa assombro e preocupação que uma rede de televisão monopolista se comporte como porta-voz do fascismo em um país cuja carta constitucional pugna pelo aprofundamento e pluralização dos direitos sociais que positivam e dignificam a diversidade de idéias, demandas e pontos de vista.