sábado, 10 de dezembro de 2011

Pensei em Juan Gelman

Buenos Aires ferve
nos vidros e ferros do
mercado velho

O Rio da Prata coagula
bizarro, ambíguo
entre Paraná e Atlântico

Montevideo é suas
boas-vindas albanesas
de prado reto e urbe gris

A 1000 Km/h e 50 min dali
outro coágulo
entre docas e ilhas:

É Porto Alegre, sua vida
ao Sul; sua vida no âmbito
das horas que faltam
para a Revolução.

Braços que são quase nada

A flor branca da tangerina
debruça-se sobre a janela
do quarto clausurado
dentro, ares de
alcatrão e perfume

É a alcova do meu
despertar convulsivo,
rasgado
pelo arfejo duns pulmões
débeis e grises

Sou espáduas transpirantes,
olhos congestionados,
a crisálida escura no peito,
os pés tortos,
braços que são quase nada,
unhas que crescerão até horas depois
da minha morte.

Sou a velhice precoce e a
jovialidade censurada
que irrompe grotesca;
o jovem-branco-pequeno-burguês que
a estrutura arbitrária
da norma dita e não-dita
tritura sem pesar.

Pradarias em verão

Quero de volta meu estar
Nesse mormaço estival de jasmins azedos
Nessa úmida lufada de folhas sob o
crepúsculo plúmbico.

Mas as pradarias do Sul em verão
perdem-se dos homens e das mulheres,
aniquilam a espiga, o gérmen de
trigo, a viscosidade vívida e
malemolente do prateado dorso
dos peixes.

As pradarias do Sul em verão
perdem-se de mim;
resto absorto, envolto pelo calor
total que calcina corpos
e inflama angústias.

Não me peçam


Deem-me tempo para a
calçada, para a solidão
fora do gueto, para o roçar
da sola de borracha na superfície
desgastada do granito úmido
onde repousam flores roxas.

Não me peçam que escreva
nada sem antes atravessar lentamente
a madrugada ébria e a
manhã de náuseas.

Não me peçam que escreva
nada sem antes revisar
a poesia de América e
os arquivos de causas perdidas.

Deem-me tempo para envolver-me
com gentes duvidosas, embalado
por rompantes meus, por
convites de estranhos (estranhos meus),
por solidariedades militantes.

Não me peçam que escreva
nada sem antes ter me desiludido
[com vocês,
ter desertado de vosso assombroso
coro de espíritos anêmicos

Não me peçam que escreva
nada sem antes ter escolhido
uma crítica situada,
contra vossa crítica que pretende
vir de lugar algum,
ou vir d'Antropologia:
o que dá no mesmo.

Não me atropelem com vosso
monolito de papel que massacra
a alegria, que abafa
o ruído absurdo sob vossa
voz precariamente livre, impávida.

O ruído se parece à palavra não.

Não à tristeza que institucionalizastes
para chorar vosso fracasso de classe,
Não à tristeza que institucionalizastes
para albergar vossa crítica oficiosa;
vossa crítica que não se sustenta
acolá do efêmero eco
da palavra enunciada a sós.

domingo, 14 de agosto de 2011

Medida de mis faltas

Acegua - Julho de 2011


Tengo un libro a medio leer
una poesía a medio engendrar
Tengo un vestido a medio caer
el esperma a medio explotar
Tengo una patria a medio hacer
una bandera a medio empuñar

Pero la pampa, medida de mis
faltas, la tengo absoluta con solo mirar.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Poesia torta para uma tarde de Junho, para a tarde de 18 de Junho de 2011

O grito que ouço não se faz classe
e o crepúsculo é modorra
é vanguarda de mais-um-dia.

O último cigarro se apaga
no vinho avinagrado da
penúltima taça na
última capital do sul;
na metrópole meridional
que é souvenir nostálgico
do ontem de massas
e do passado de caudilhos.

Condensando todas as horas,
o crepúsculo, gerúndio do dia,
enuncia a noite. A noite do
Ocidente imaginado e palpável.

En el Sol o granito amorna
sob chicletes e escarros.
Na Grécia a praça está limpa.
Espera as hordas e o gás da manhã.
Na Itália dizem que
o capital é pervertido (não perverso)
porque imoral: confrontam-se
O Bem e o Mal na Paz das sacristias.

Porto Alegre anoitece sua noite
de centros melancólicos e
arrabaldes mundanos demais.
Sua noite cúmplice de vozes
que não se mesclam.

Em Porto Alegre não há aliança possível.

Há intelectuais vigilantes.
Há intelectuais zelosos na
Noite-de-mais-um-dia.
Eles temem partidos, bandeiras
e populacho.
Temem a nação e a classe.
Esperam epifanias.

São a consciência
do citoyen, o pouquinho
que cada qual pode fazer.

São litania perdida
em algum lugar entre o
ser-precisamente-assim e
a fugaz alegoria.

E nesta mesma noite,
ou na manchete policial de amanhã,
em pleno coito, na alvorada violenta,
no presente que é eterna véspera
duma esperança concreta,
milhões fazem poesia.

Fazem o agora,
tornam o tempo verdadeiro,
teleologizam, encarnam o antes e,
alegres, imaginam o depois.

Folheiam páginas com
avidez. Não hão de convertê-las
em resenha, em necrológico.
Plasmarão a poesia torta
das alamedas e ruelas;
poesia densa e desengonçada que se
[sustenta
com colchetes, que se
formula no plural, com trapos,
com grêmios, com merda,
lama, com resquícios do tecido.

As cinzas flutuam em bloco,
adernam, fragmentam-se e submergem
lentamente.


A taça treme.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Quando um intelectual é livre, se nota


Alex Martins Moraes

Dizem que o Rio Grande do Sul é o estado das polarizações e dos extremismos. Os gaúchos se pensam com relação a antinomias intransponíveis. Colorados e gremistas, petistas e antipetistas (ou seria reacionários e progressistas?), macho e fresco. Alguns sugerem que a origem destes dualismos remonta um passado de guerras e divisões políticas: republicanos e legalistas, ximangos e maragatos, castilhistas e anti-castilhistas. Enunciar dramas sociais através de oposições definitivas e transcendentes nunca assombrou os rio-grandenses. Juremir Machado da Silva é das poucas pessoas que se arrisca a desestabilizar publicamente dualidades de longa data consolidadas no imaginário local. Nosso autodenominado escritor maldito faz questão de explicar aos leitores do Correio do Povo que a agudeza irônica dos seus textos rompe os limites arbitrários de nossas desgastadas oposições. É possível – nos ensina Juremir – assumir uma postura política consistente sem se definir com respeito aos rótulos previamente dados. Juremir Machado se diverte lendo os e-mails enviados pelos leitores. Conta que ao longo de sua carreira jornalística, os textos que escreveu já lhe renderam toda a sorte de adjetivações, algumas delas, mutuamente excludentes: comunista - antipetista, obtuso - esclarecido. As reações do público que acompanha suas crônicas diárias revelariam a perplexidade causada por um estilo singular de narrar a realidade. Juremir Machado da Silva está na vanguarda, alcançou a consciência pós-moderna, para usar uma das poucas categorias que o escritor maldito reivindica para si.

Assim, armado com uma potente ferramenta de análise da realidade, o misterioso colunista do Correio do Povo se lança nos mais candentes debates sociais do seu tempo. Atento a pauta dos grandes jornais do país, Juremir traz aos pampas aquelas discussões que realmente importam e sugere uma forma inovadora de interpretá-las. Não se deixa seduzir pelos fanatismos políticos, pelas lealdades cegas, pelo ranço das elites, pelo cinismo de certas ideologias. É o livre-pensador por excelência. Contudo, ocupar um lugar legítimo de fala requer que façamos concessões aos cânones da hegemonia. Juremir Machado, consciente destas restrições, ritualiza uma adesão aos regimes de hierarquização e validação do saber. Regularmente ele repassa as produções mais importantes de sua carreira, relembra a densidade do seu currículo Lattes, evoca constantes viagens à França e diálogos com intelectuais respeitados. Todos estes são movimentos estratégicos. Às vezes é imperativo demonstrar que percorremos o circuito que conduz à legitimidade para, ato seguido, desnaturalizar os termos em que estão colocados os jogos sociais e expor a arbitrariedade que lhes é subjacente.

Muito pouco fica de pé depois da ácida crítica machadiana. Não, machadiana não. Juremir rejeitaria este rótulo não apenas por sua falta de originalidade mas também porque reporta à figura de um escritor que se encontra nas antípodas da postura política do cronista maldito. Refiro-me a Machado de Assis, este negro traidor que Juremir Machado se esforça por condenar no tribunal da história. ¿Como um escritor prestigioso e negro (ou mulato, não sei como se autodeclarava) foi capaz de se manter calado diante da ignominia escravocrata? Talvez porque numa sociedade onde a condição social do negro estava delineada por sua subordinação naturalizada ao trabalho braçal, um sujeito como Machado de Assis, filho de pais livres (mãe lavadeira, pai pintor de paredes), não se percebesse como vinculado à raça subalterna. Se bem a subordinação do negro parece ser uma constante na história brasileira, não foram sempre os mesmos dispositivos de exclusão que desencadearam a segregação e o genocídio. Ser negro nem sempre significou a mesma coisa que significa hoje. O caso de Machado de Assis é, sem dúvidas, bom para pensar. Mas as colunas jornalísticas raramente são um lugar apropriado para este tipo de atividade do espírito. O espaço é curto, o público alvo, sumamente heterogêneo. Como fazer para, diante destas contingências, manter uma postura afrontadora, franco-atiradora e profundamente crítica? Difícil. Juremir, realista e consciente, abre mão da terceira exigência retendo as duas primeiras. São elas, ao fim e ao cabo, que definem um escritor maldito.

Juremir duvida dessas posturas teóricas que tendem a reduzir tudo a meros “jogos de poder” sob o pretexto de incorporarem potencial crítico. A crítica está morta. Esta talvez seja uma das mais importantes lições que Juremir Machado nos traz da sua experiência direta de docente na Pontifícia Universidade Católica. Lá, seus alunos aprendem que o “sociólogo marxista (!!!) francês” Pierre Bourdieu banaliza (?!) as regras sociais ao demonstrar sua natureza arbitrária. Tem de haver algo mais profundo detrás dos fenômenos que polarizam a sociedade. Deus, assim como a crítica, o marxismo e a modernidade, está morto. É necessário, então, recorrer a outras explicações. Juremir avança em sua busca da natureza das relações sociais. Ele se afasta das dicotomias estabelecidas, toma a distância correta para começar a disparar. Surgem, então, os postulados que arrebatam a cacofonia antinômica que engessa os debates sociais no Rio Grande do Sul. Neste momento, a originalidade e desprendimento do escritor maldito alcançam sua mais alta expressão. Juremir Machado da Silva realiza uma bricolagem onde se mesclam vernizes acadêmicos e categorias de valoração moral amplamente disseminadas no vernáculo reacionário. Desta mistura inusitada, brotam revelações afiadas. Machado de Assis, recortado do seu contexto social, se converte em traidor. À diacronia marxista e à sincronia estruturalista, Juremir Machado opõe a anacronia.

Diante da linguística demagógica representada pela Abralin, o quixotesco cronista do Correio do Povo igualmente se insurge. Não aceita o ponto de vista daqueles que entendem as disputas em torno das regras de uso de um idioma como “meras” dinâmicas caracterizadas pela reconversão de capital simbólico (conceito que Juremir confunde com o de “capital social”, seguramente de forma propositada, afinal o que importa mesmo para um escritor maldito é atirar em quem quer que seja, nem que para isto se faça necessário manipular o conteúdo do seu argumento – ler coluna do dia 25 /05/2011). Neste debate contra o “marxismo linguístico”, nosso abnegado cronista abre mão do seu afã por desestabilizar dualismos. Ele sequer arrisca postular uma opinião inovadora. Idioma é coisa séria e brincadeira tem limites. Estão em jogo, aqui, a manutenção ou recuo do poder expressivo da língua. Juremir incorpora a postura do intelectual sóbrio, que sabe colocar os pés no chão e lembrar algumas verdades básicas da vida em sociedade: a língua escrita é um dos lugares mais privilegiados para a realização da expressividade humana. Levando ao extremo esta afirmação, podemos pensar que a ignorância sistemática de certos aspectos da norma culta pode, progressivamente, nos levar a perder o poder de expressar a nossa subjetividade. Tudo se passa como se compartilhássemos as mesmas demandas expressivas com a diferença de que alguns sortudos conseguem manifestá-las de forma mais acabada e outros não. É necessário, portanto, sinalizar o certo e o errado se se quer evitar o obscurantismo disfarçado de relativismo. Juremir reconhece que cada época tem seus certos e errados e que estas noções mudam com o tempo e de acordo com as sociedades. Não deixam, contudo, de existir. Juremir as entende como algo quase concreto, palpável. Tão palpável quanto uma suposta universalidade das demandas expressivas da humanidade.


Na linguística de Juremir Machado, podemos determinar o poder expressivo de cada grupo social ou coletivo humano avaliando sua maior ou menor adequação a norma culta vigente de uso do idioma escrito. Ao colocar as coisas nestes termos, o cronista maldito se vê em insólita companhia. Perfilam-se ao seu lado expoentes do pensamento reacionário pampeano como Percival Puggina e Claudio Moreno. Este último, aliás, desenvolveu acuradíssima técnica para medir o progresso linguístico dos atores sociais. Certa feita, durante aula de português para alunos do pré-vestibular, Moreno enunciou um postulado cuja essência normativa tentarei preservar numa reprodução livre de sua fala: se vocês chegarem na frente de uma casa e encontrarem aviso do tipo “não estacione, garage”, das duas uma: ali reside ou um francês ou um ignorante. Este é o tipo de conclusão que a linguística de Juremir Machado valida. Existem certas oposições indiscutíveis, posto que fundamentais. Elas alicerçam uma ordem social que, deliberadamente, a crônica maldita juremirmachadiana não está interessada em desestabilizar. Compreensível. Juremir, diferentemente de Machado de Assis, se entrega a toda sorte de ousadia literária sem jamais trair a sua classe. Quando um intelectual é livre, se nota. Não é o caso de Juremir Machado.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Do que as elites riem?

A imprensa gaúcha deu grande visibilidade ao projeto de lei do deputado Raul Carrion (Partido Comunista do Brasil) que tem por finalidade regular o uso de estrangeirismos nos meios de difusão escrita da informação. Alguns jornalistas sugeriram que o debate sobre a utilização de palavras estrangeiras na publicidade, nos jornais e mesmo em documentos oficiais está desprovido de importância, visto que questões de grande monta aguardam, ainda, uma adequada discussão em nossos parlamentos. Argumentos semelhantes são levantados quando se trata de problematizar a regulamentação da atividade jornalística ou mesmo a recuperação de informações que levem a identificar os responsáveis por violações dos direitos humanos durante a ditadura militar. É embaraçoso constatar o esforço da mega-imprensa em determinar aquilo que deve ou não ser posto em pauta na esfera institucional.

Apesar da jocosidade maliciosa e desinformativa que caracterizou a cobertura dos grandes jornais ao projeto de lei do deputado comunista Raul Carrion, o fato é que a discussão está colocada. Aumentar o nível do debate pode ser saudável. Opiniões críticas sobre o assunto em questão alertam para a dificuldade de implementação da lei e sugerem que, no geral, ninguém tem dificuldades para compreender vocábulos estrangeiros já amplamente disseminados. Alguns acadêmicos lembraram que os idiomas não constituem totalidades imutáveis. O português, como língua viva, atualiza-se mediante empréstimos variados. Ocorre que a lei aprovada no RS não visa proibir o uso de palavras provindas de outras línguas. O deputado Carrion propõe que, quando vocábulos estrangeiros apareçam em qualquer texto de ampla difusão, sejam ou traduzidos ou explicados ao leitor. Isto, sem dúvidas, promoveria um uso reflexivo e, portanto, qualificado da escrita.

Quero chamar a atenção, agora, para outra dimensão que caracteriza o uso de estrangeirismos em diversos textos que nos interpelam cotidianamente. Refiro-me a dimensão da violência social implícita em qualquer ato comunicativo que, dirigindo-se a um público amplo, priva determinados indivíduos de uma compreensão mais integral do conteúdo vocabular do texto enunciado. Os processos de diferenciação, segregação e exclusão operam por meios variados. Entre eles, o idioma. Não é coincidência que, na maioria das colunas sociais, termos como “coiffeur”, “cool”, “in”, “out”, irrompam sistematicamente para descrever a sedutora vida social das nossas elites econômicas. Falar e não ser entendido pode ser muito rentável às vezes. Tão rentável quanto insinuar que todos entendem o manancial de palavras estrangeiras que pontilham peças publicitárias e matérias jornalísticas. Quem desconhece o sentido de determinado termo é automaticamente convertido em aberração. A naturalização dos estrangeirismos naturaliza, também, eventuais estratégias de distinção alentadas pelo manejo desse tipo de vocábulo.

Mais do que inflamar o debate entre ortodoxia e heterodoxia, o projeto de Raul Carrion nos convida a refletir sobre os usos do idioma no contexto de uma sociedade violentamente desigual. A chacota e o deboche deram, até agora, a tônica da controvérsia gerada pela Lei 156/2009. Este parece ser mais um sintoma do embaraço causado pela visibilidade que o uso de estrangeirismos recebeu no Legislativo gaúcho. Costumamos rir daquilo que nos constrange. Transformamos em piada aquelas ideias que, se expressadas de outra forma, seriam intragáveis. Que preconceitos e práticas segregacionistas se ocultam sob as gargalhadas generalizadas?

quinta-feira, 17 de março de 2011

A própria vida


Vento invasivo no sul da metrópole
brônquios dilatados
coração pulsante
dentes e língua verdosos

aspectos do impacto
do brometo de ipratrópio que
arrebenta o peito numa orgia
aeróbica: parâmetro hiper-real da respiração.

aspectos do impacto
do arbusto nativo que
invoca todos o matizes
da selva ao roçar papilas.

Fora isso, há epifenômenos,
uma angústia discretíssima: a própria
vida, dada a conhecer através
de um feixe de energia.

Meia noite, rue des Bernardins


Meia noite, rue des Bernardins,
penso no sal, no trauma,
no mar, na distante Ouahran.
Depois da conquista jamais houve calma.

Na gélida cidade varrida
pelo feixe da Torre
há estopor dissipado, ferida,
esperma censurado qu`escorre.

Não é calma, mas letargo,
modorra de domingo, tensa.
Ranso de província, amargo.
Obsessão sem poesia, doença.

Do ódio que a tortura desata
Da torrente de punhos na praça
Do jugo que a explosão arrebata
nada a aproveitar: mordaça

Resta pouco a declarar.
Eram mazelas do momento.
Mas que lema a bandeira oculta? "Recalcar".
O olvido é do silêncio desejado rebento.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Notas sobre uma possível intervenção na Líbia



Alex Martins Moraes


Não é difícil colocar em xeque o maniqueísmo midiático em torno da crisa na Líbia. As manchetes vêm sugerindo que um cruel ditador enfrenta com bombas a insurreição democrática dos seus cidadãos. Bastaria apontar, entretanto, que os jornais não oferecem absolutamente nenhum elemento que nos possibilite entender quem são estes sujeitos rebelados contra o regime estabelecido para concluir que é quase impossível posicionar-se com relação ao conflito líbio. Quais objetivos políticos estão em jogo na Líbia? Com base nos elementos disponibilizados exclusivamente pela imprensa brasileira, só podemos responder que é muito difícil avaliar o que ocorre no Norte da África. Mais difícil ainda é emitir juízo moral sobre os enfrentamentos em questão.


Parece que às vezes os jornalistas esquecem que nem todas as pessoas têm sobre si a obrigação que, diariamente, lhes é imposta nos lugares onde trabalham: pensar rápido. Tal obrigação produz resultados perversos. Repetem-se as mesmas análises políticas baratas e objetivadoras nos meios de imprensa de todo o globo: um desperdício da internet, esta alardeada ferramenta de pluralização das vozes e das ideias. Mas não nos contentemos apenas em identificar a existência de infinitas redes reprodutoras dos mesmos jargões. É preciso, ainda, dizer que tais redes estão hierarquizada por uma verdadeira divisão internacional do trabalho informativo. As grandes agências, atreladas aos poderosos interesses capitalistas, produzem uma vasta gama de interpretações rasteiras que são fartamente consumidas pelos jornalões brasileiros. Dou um exemplo. O Estado de São Paulo, mesmo tendo enviado um correspondente à Líbia, não consegue controlar sua gula reprodutora. No dia oito de março, referido jornal publicou em seu site uma matéria copiada e colada da agência Reuters. O texto relata as recentes movimentações de tropas governistas e rebeldes. Suas linhas estão pontilhadas de “pitadas analíticas” do tipo: governos estrangeiros se esforçaram para acordar uma estratégia unificada para lidar com a turbulência no país produtor de petróleo, que Kadafi governa em estilo autocrático e quixotesco desde que tomou o poder em um golpe militar, em 1969”. A matéria original da Reuters não foi alterada em nenhuma vírgula (ver texto em inglês: http://af.reuters.com/article/topNews/idAFJOE72700R20110308). Parece que nossos jornalistas, satifesteitos com as gotas de sabedoria das agências que dominam o mercado da informação, optaram por perfilar-se na oposição a Kadafi. Agora eles não vêem a hora de poder cobrir (ou, melhor dizendo, copiar e colar a cobertura de outrem) uma “intervenção internacional” na Líbia.


Como eu não preciso e nem quero pensar rápido, desisto, de antemão, da quixotesca tentativa de deslindar as razões e raízes do conflito líbio à luz das opiniões e análises fornecidas pelas vozes autocráticas da imprensa de sempre. Acredito ser mais sensato indagar sobre o significado de uma intervenção externa no Estado africano. A respeito deste tema, aliás, temos uma pluralidade de informações a disposição. É possível compará-las entre si e pensá-las à luz da experiência histórica recente no que tange aos conflitos do mundo árabe. Para os fins deste artigo, proponho uma pergunta tão banal quanto interessante: o que significa(ria) uma intervenção internacional na Líbia?


Posso abordar a questão proposta de três formas, procurando respeitar, assim, a amplitude do tema. Primeiro, é necessário explicar o que significa intervir militarmente nos assuntos internos de um país do ponto de vista das relações internacionais. Segundo, há que saber se existe apenas uma modalidade de intervenção em jogo. Terceiro, é interessante sinalizar os possíveis resultados de uma ingerência de tipo militar tendo em vista casos semelhantes ocorridos no Oriente Médio e nos Balcãs em tempos recentes.


Em primeiro lugar, intervir militarmente em qualquer país significa cercear sua soberania nacional. Desde o século XIX, com a queda dos grandes impérios europeus (leia-se, impérios que tentaram impor sua hegemonia sobre a Europa), o consenso nacional contemporâneo começou a avançar de forma cada vez mais definitiva. As alternativas imperiais foram postas em detrimento da perspectiva de coexistência de diversas nações dotadas de soberania territorial e preocupadas em establecer estratégias eficazes de governo da sua população e dos seus recursos. Do ponto de vista da política exterior, estabeleceu-se uma espécie de consenso colaborativo segundo o qual cada país dependia dos demais para atingir sua prosperidade que era, trambém, a prosperidade da própria Europa. Terminada a Segunda Guerra Mundial e derrotado um dos últimos intentos de constituição do império (III Reich), foram criadas diversas organizações multilaterais entre as quais o modelo mais acabado se chama ONU. Estas organizações regulam o direito internacional e impõem limites ao exercício das soberanias nacionais. Sendo assim, restringir a ação soberana de qualquer governo não é, por si só, uma violação da normativa vigente em âmbito supranacional. Avaliar o sentido de uma eventual ingerência internacional na Líbia exige, necesariamente, contextualizações.


A única organização em torno da qual existe um consenso legitimador mundial é a ONU. Recentemente, o líder líbio Muamar Kadafi sugeriu que as Nações Unidas enviassem uma comissão encarregada de avaliar se estão ocorrendo as alardeadas violações maciças aos direitos humanos no país. Trata-se de uma reivindicação aceitável, afinal, é a ONU que opina com maior legitimidade sobre o que são ou devem ser os direitos humanos – esse tema tão controverso. O envio de uma comissão plurinacional destinada a definir se o governo da Líbia está fustigando civis significa, logicamente, intervir nos conflitos sociais desencadeados em um país específico. Uma comissão nomeada pela ONU suspende, temporariamente, o poder de um governo de falar sobre si próprio aos olhos do mundo. Qualquer constatação da ONU levaria em conta os pareceres dos seus funcionários e não os do presidente Kadafi. A partir daí, os órgãos competentes das Nações Unidas poderiam definir sanções políticas, econômicas e militares cabíveis.


Os rebeldes que lutam contra o governo de Kadafi sugerem a necessidade de imposição de uma Zona de Exclusão Aérea (No Fly Zone) sobre o país norte-africano. Estados Unidos, França e Grã-Bretanha também endossam semelhante alternativa. Esta é outra possibilidade de intervenção que pode ou não se desencadear com o aval da ONU. Como Rússia e China, membros com poder de veto no Conselho de Segurança, estão reticentes quanto a necessidade de bloquear o espaço aéreo líbio, é muito provável que um Zona de Exclusão Aérea, se imposta, seja operada por outro tipo de concertação internacional (OTAN, UE, Liga Árabe). Se isto vier a ocorrer, é de se esperar que o exército líbio reaja. Neste caso, para manter o fechamento dos céus, seria necessário destruir toda a infraestrutura de defesa antiaérea do país, ou seja, entrar em guerra com a Líbia e assumir as consequências políticas e humanitárias que este tipo de situação engendra. Pergunto, então, se uma intervenção de tipo militar contra o governo instalado em Trípoli não acarretaria, no fim das contas, o prolongamento do conflito.


Os primeiros protestos que estouraram no país de Kadafi foram interpretados como reverberação da crise egípcia e tunisiana. Entretanto, o posterior desenrolar da situação deixou claro que existiam diferenças entre cada um destes contextos nacionais. À medida que os dias passavam, o governo líbio demonstrava capacidade de administrar os confrontos, impondo reveses importantes aos insurgentes. Longe de bater em retirada, Kadafi reagiu com armas a uma sublevação igualmente armada que muito pouco parecia ter de espontânea. O problema é que agora o líder líbio, tão afeito ao ocidente e apoiador declarado da “guerra contra o terror”, se tornou um entrave para os intereses norte-americanos e europeus na região. Segundo o site de informação Réseau Voltaire, o coronel Kadafi, ex-nasseriano, especilizou-se, durante anos, em fazer um jogo dúbio, correndo o risco de, muitas vezes, jogar em dois campos ao mesmo tempo. Ele ostentava um discurso ultra-radical contra o imperialismo estadunidense e o sionismo ao passo que servia aos seus interesses liquidando, por encomenda, alguns dos principais opositores ao regime. Kadafi nunca empreendeu nenhuma ação contra Israel e estava oficialmente reconciliado com os EUA desde 2003. Contudo, seu ressentimento para com os líderes da Europa e dos Estados Unidos poderá ter consequências (econômicas) nefastas. Isto porque, ao sentir-se traído pelo “ocidente”, Kadafi não titubeará em estremecer a “tranquilidade” da África mediterrânea – garantida, há décadas, por governos autoritários pró EUA e UE. Solução pragmática: aproveitar a roupagem popular – desbotada, é certo – da revolução líbia para derrubar Kadafi sem chocar a comunidade internacional. Benefícios da solução pragmática (ou seria “capital-pragmática?): estabilização do abastecimento de petróleo, baixa do preço do barril e preservação de uma zona política tampão no Magreb capaz de isolar o Irã e garantir a manutenção dos interesses de Israel. Quantos coelhos numa única cajadada!


Última questão. Está atestada a eficácia das Zonas de Exclusão Aérea? Pois bem, elas foram impostas ao Iraque, no governo de Bush pai. Saddam Houssein, entretanto, permaneceu no poder por mais de uma década até ser derrubado mediante invasão terrestre estadunidense. Na Bósnia também foi imposta uma zona de exclusão aérea, contudo, apenas a ocupação da região pela OTAN apazigou o conflito: uma paz de cadáveres.


Material consultado a respeito do conflito na Líbia:


Libye : les enjeux d’une zone d’exclusion aérienne, Philippe Leymarie: http://blog.mondediplo.net/2011-03-07-Libye-Exclusion-disent-ils

Países Árabes – o vento que agita o rio, Moisés Saab: http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=149139&id_secao=9

Israël vole au secours de son allié Khadafi: http://www.voltairenet.org/article168711.html


quinta-feira, 10 de março de 2011

Yo no soy machista, y qué?

Abaixo alguns vídeos produzidos no contexto de uma campanha publicitária contra o machismo no Equador. O material é interessante não tanto pela argumentação utilizada (que já está bastante difundida), mas sim por constituir uma campanha pública e massiva de reação à violência contra a mulher. Bom exemplo, bom precedente.







terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Últimas "instruções para cevar o mate"

Car@s,

abaixo o último vídeo das "Instruções para cevar o mate", gravado na nossa derradeira escala em ultramar.

"Instruções para cevar o mate" foi uma ideia que visava jogar com o inusitado (certamente flertamos com a leitura de Cortázar). Quando surgia a inspiração, tratávamos de realizá-la usando o equipamento de que dispunhamos. Nas nossas mãos, duas câmeras fotográficas Nikon, na nossa cabeça essa ideia de olhar paisagens, momentos, golpes de luz, rituais genéricos e conjugá-los com a cevadura do chimarrão. Assim fomos singularizando alguns momentos. Os jogos de sentido possíveis são variados. Andaram me dizendo que cada um encontra nesses simplórios audiovisuais a afronta que bem entender. Será verdade que nas "Instruções..." sempre há afronta? Tlavez não. Penso que nelas reside apenas um tipo de obviedade que anda carente de registros. Opinião pessoal. Pode ser que nem o Rodrigo Gonçalves concorde.





quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Instruções para cevar o mate

Espero que, nos próximos dias, Rodrigo Gonçalves e eu possamos dar seguimento à estas instruções para cevar o mate. Deixo, aqui, o primeiro resultado que obtivemos.




domingo, 30 de janeiro de 2011

RiO PoA



Não acredito que possa existir um tipo de caráter específico concernente a toda a população de uma região. O que ocorre são regularidades de postura e comportamento de acordo com os seguimentos sociais onde se encontram os sujeitos. Cada grupo humano comporta uma infinidade de padrões que se constroem em relação a referentes de classe, atividade laboral, grupo geracional, etc. De passagem pelo Rio de Janeiro, reparei, por exemplo, algumas características comuns a certa juventude classemediana que se move pelos circuitos artísticos dos bairros supostamente glamurosos da zona sul carioca. Estas singularidades se tornaram mais nítidas para mim quando as comparei com aquelas ostentadas por grupos geracionais e sociais semelhantes em Porto Alegre. Enquanto registrava minhas impressões sobre o assunto, fui me dando conta de que as palavras que escrevia deixavam transparecer algo de auto-crítica. Isto era inevitável, afinal, estava narrando, em alguma medida, meu próprio cotidiano. Passemos, pois, aos apontamentos.

No Rio de Janeiro, existe uma espécie de “glamurismo” talvez associado à impactante presença dos estúdios da Rede Globo na cidade. Muitos jovenzinhos cariocas mais ou menos descolados querem ser artistas ou, pelo menos, aparentar alguma proximidade com o meio artístico. Criados em apartamentos no Leblon, na Lagoa ou em “Copa”, aprenderam, desde cedo, a escutar Chico Buarque, ler o básico dos autores russos, arranhar francês e levar esse papo de desigualdade com leveza, na brincadeira. Aos vinte e poucos anos, alguns fazem teatro, outros jornalismo, talvez história, letras. Estetizados ao extremo, exprimem com gestos afetados uma sofisticação intelectual e um desprendimento social que não resistem de pé mais além dos figurinos. Falando de figurino, lembro-me de uma situação, no Baixo Gávea, que ilustra bem a atmosfera cênica que inebria a juventude carioca. Ao me abordar, um vendedor de cerveja quis saber de onde eu era. Respondi que vinha de Porto Alegre. Ele disse que morava no Rio, era nordestino, fazia teatro, tinha figurado em duas novelas globais. Comentou, também, que ao viajar para seu estado de origem, recebia tratamento diferenciado quando diziar ser do Rio de Janeiro. Esse sujeito, que vou chamar de Pedro, puxou um papo que tinha toda a aparência de floreio introdutório a duas informações cruciais: 1) ter participado de novela; 2) ser, a pesar dos pesares, um artista. No Baixo Gávea, Pedro se traveste de vendedor e empunha seu isopor alegórico para oferecer cerveja aos playboys pedantes que, bem no fundo, são “iguais” a ele: gente da TV, gente do teatro. As diferenças entre as pessoas parecem reduzir-se a questões de figurino. Existe um muito bem consolidado “modelo” de jovem admirável cujo fulgor seduz a dominantes e dominados. Os primeiros se divertem, os segundos se frustram. Nessa encenação juvenil, o drama é sempre o mesmo e a função de interpretá-lo cabe a um elenco quase estamental. Os papeis não mudam. Mas sem problemas, pega leve, afinal, é tudo brincadeira mesmo.

Em Porto Alegre, bom mesmo é ser subversivo, latinoamericanista, violeiro, gay, bi, rocker, mod, folk ou tudo isso junto . É chegar na mesa do boteco e jogar ali em cima, como cartas de truco, meia dúzia de “experiências de vida” que valem mais que contra-flor. Os naipes poderosos são, em ordem crescente: “viagem-a-buenos-aires”, “viagem-a-machu-picchu”, “participação-em-suruba”. Em ambientes revolucionários, as super cartadas variam, podendo ser: “ter-apanhado-da-polìcia”, “ter-comido-a-deputada-de-esquerda”, “ter-pixado-o-muro”. Parece que a juventude portoalegrina abastada (me refiro, prioritariamente, àquela que se criou na Zona Sul, no Bom Fim e, em menor medida, nos bairros emergentes da Zona Norte) vive a constante emulação da permissividade, da transgressão. Trata-se de uma retórica progressista tão avançada que, às vezes, soa reacionária, rotuladora, sexista, performática, desarraigada da ação transformadora. Porto Alegre também concentra bolsões de intelectuais críticos, principalmente na Av. Independência e em certos redutos da Cidade Baixa. O traço definidor dessa intelectualidade é seu anti-intelectualismo quase maoísta. Trata-se de um tipo de “intelectual orgânico” que Gramsci detestaria. Valorizam a longa exposição das suas façanhas e desprezam qualquer ânimo analítico que não tenha por base a evocação de percepções individuais pinçadas em experiências folk-etno-cool (créditos parciais desta expressão: João Quaresma). Os intelectuais mais ousados e vanguardistas enaltecem suas vivências “na vila” ou “no projeto pescar”, onde tiveram a oportunidade de conviver com negros e pobres pela primeira vez na vida e onde desenvolvem fervorosa atividade de moralização e iluminação dos subalternos. Os livre-pensadores portoalegrenses decantam um humanismo transcedental e burguês, leve e sincero, absoluto, individualista. Outros grupos, menos massistas e mais idealistas não acreditam que breves e lúdicos passeios pelo chão batido dos arrabaldes conduza a qualquer abertura mental ou revisão conceitual criativa. Recorrem, então, à ayahuasca (o “Daime”). Geralmente a narrativa que oferecem da sua intoxicação (ou “enteogênese”, no léxico local) vem acompanhada de um sorriso blaze ornamentado com gestos braçais lentos e arredondados partindo do centro do peito.

Mais do que exercitar a ironia, indiquei, aqui, aspectos detestáveis de contextos que, na verdade, não considero descartáveis. Sua existencia é instigante, rende várias linhas de crônica jocosa, talvez até possa inspirar alguma etnografia de última hora. Fica a sugestão.

domingo, 16 de janeiro de 2011

La Abuela Grillo

Compartilho com vocês um belo curta-metragem boliviano. Inspirada no mito de "la abuela grillo", a animação estabelece uma narrativa que nos fala da dicotomia entre direitos essenciais e lógicas de mercado. Abaixo segue uma breve descrição do conteúdo da obra obtida no seguinte sítio: http://www.cambio.bo/noticia.php?fecha=2010-05-09&idn=18758

La escritora Liliana De la Quintana nos explica que esta obra de animación tiene su origen primigenio en un mito del Pueblo Ayoreo (pueblo indígena del chaco boliviano), que narra su pedido de lluvia a la abuela grillo Direjnám, creadora del agua, regente de la lluvia y de la sequía.

Este mito fue recuperado en la serie Mitología Indígena para niños, de la editorial Nicobis, en un escrito de De la Quintana que cuenta con ilustraciones de Antonieta Medeiros. La obra fue seleccionada en la lista de honor de la Organización Internacional para el Libro Juvenil (IBBY, por sus siglas en inglés).

Así, el libro de De la Quintana es la base directa del audiovisual, al que se añade, en la animación, la problemática contemporánea del tema del agua como derecho y mercancía.

Según De la Quintana, Alfredo Ovando trabajó el pre-guión y coorganizó con Hanne Pedersen el Taller de Animación Bolivia/Dinamarca, en el que se desarrolló la propuesta. El guión final y la animación se consolidaron con Denis Chapon.

La escritora destaca además que el Gobierno de Dinamarca apoyó con la realización de dos talleres de capacitación en animación, uno realizado en Bolivia, dirigido a 23 alumnos, y otro posterior en Dinamarca, con ocho becados bolivianos.

En Dinamarca, Hanne Pedersen, directora de Animation Workshop, fue la principal responsable del proyecto y se nombró a Ovando, director de Nicobis, como responsable en Bolivia, quien apoyado en la Productora Escorzo, dirigida por Reynaldo Lima e Iván Castro, se constituyó en base principal del Taller de Animación en Bolivia.

Los resultados de este taller dirigido por Denis Chapon e Israel Hernández son la capacitación de 23 animadores, el guión avanzado de La Abuela Grillo y la selección de un grupo de ocho becarios para continuar la animación en Dinamarca.

Así, bajo la dirección de Denis Chapon y por el trabajo de los ocho becados, se completa el cortometraje en Dinamarca.

Además, De la Quintana considera determinante la participación de Luzmila Carpio —consagrada cantante de música indígena boliviana y embajadora de Bolivia en Francia— y de los músicos Josué Córdova, Saúl Callejas, Luis Gutiérrez y Pablo Pico.

Entre los animadores capacitados en Bolivia y Dinamarca estuvieron los reconocidos artistas Alejandro Salazar, Joaquín Cuevas, Susana Villegas, Cecilia Delgado, Mauricio Sejas, Román Nina, Miguel Mealla y Salvador Pomar.

Definitivamente vale la pena ver el resultado de este trabajo, que por su calidad marca un hito en la animación boliviana.

Vídeo

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

“Caso Battisti”: Rede Globo e ultra-direita italiana protestam em uníssono


Alex Martins Moraes

Há algum tempo que eu planejava escrever algo a respeito da tendência anti-democrática manifestada pela imprensa brasileira. Era minha intenção demonstrar que práticas monopolistas no âmbito do mercado somadas a um alinhamento político com a direita convertiam as grandes empresas da informação em opositoras concretas do aprofundamento democrático neste país. Não se trata apenas de um problema com conteúdos ou estilos de abordagem dos fatos noticiados. Se fosse assim, bastaria organizar uma oposição adequada, o que, aliás, os veículos alternativos já estão tentando fazer. Ocorre que a estrutura do campo jornalístico brasileiro ameaça as grandes ambições da constituição de 1988. A mídia faz precipitar sobre a sociedade brasileira certa cultura de debate que valoriza o exercício de manutenção e reprodução do senso comum, este eficaz alimento das consciências que desejam expurgar de si quaisquer ímpetos "ideológicos" ou "autoritários". Só que o senso comum não é ingênuo, ele espelha um sistema de valores que possui certa coerência e atende a determinados interesses. Geralmente, tais interesses constituem o que costumamos chamar de "status quo". É necessário diminuir o raio de abrangência da mídia comercial para dar vazão à emergência de outras vozes. Numa democracia que almeja o pluralismo, deve-se expandir ao máximo possível o direito das pessoas de narrarem as verdades de sua própria experiência social.

Um fato recente nos ajuda a economizar longos resgates históricos e sistematizações teóricas para demonstrar o compromisso da mega imprensa com ideais antidemocráticos. No último dia do seu mandato, o ex-presidente Lula vetou a extradição de Cesare Battisti para a Itália. Ótimos artigos publicados no circuito alternativo detalham os aspectos históricos e jurídicos que rodeiam o “caso Battisti”. Não cabem dúvidas de que a decisão tomada por Lula é, pelo menos, aceitável e encontra suas justificativas no amplo manancial do direito internacional contemporâneo (sugiro a leitura do relatório elaborado pelo ex-ministro da justiça Tarso Genro ao conceder refúgio político a Battisti em 15 de janeiro de 2009: http://www.tarsogenro.com.br/artigos/fullnews.php?id=90). Quero centrar minha atenção no tipo de cobertura que a televisão aberta destinou aos últimos desdobramentos do "caso Battisti".

No dia 4 de janeiro de 2011, o Jornal Nacional da Rede Globo apresentou uma reportagem relativamente extensa onde se noticiava a reação de alguns grupos políticos italianos frente à opção do governo brasileiro por não extraditar o ex-ativista Cesare Battisti. Como o editorial da Globo desconhece os pronomes indefinidos, a expressão “alguns grupos políticos” foi alterada para “italianos” em uma frase do tipo: “italianos protestaram na frente da embaixada brasileira”. Posteriormente, a correspondente internacional da Rede Globo informou, diretamente de Roma, que partidos de direita e de esquerda teriam manifestado sua oposição a não-extradição do “ex-terrorista” Cesare Battisti. Se discutíssemos o tipo de valoração moral embutida no termo “ex-terrorista”, facilmente veríamos que está relacionado com a retórica da direita italiana (e brasileira, é claro). Seria, contudo, chover no molhado fazer a afirmação de que todo e qualquer termo que utilizamos em nosso cotidiano atende a interesses determinados. Não existe neutralidade nas palavras, até porque elas só fazem sentido em conjunturas sociais específicas das quais a ação política nunca está alheia. Somos animais políticos, afinal. Desejo iluminar, aqui, outro aspecto da reportagem, um pouco menos óbvio. Destrinchá-lo exige certo esforço no sentido de buscar dados alternativos que complexifiquem a notícia dos protestos na Itália oferecida pelo Jornal Nacional.

Ao dizer que grupos políticos de “esquerda e de direita” participaram das manifestações na embaixada brasileira, a correspondente européia da Rede Globo deu a entender que existe unanimidade dos italianos em opor-se à decisão do governo brasileiro. Não vem ao caso saber se ela, pessoalmente, quis dizer isso. O fato é que disse. Tampouco importa se estava mal informada sobre a composição do espectro político italiano. O fato é que se contentou com as informações que recebeu das suas fontes sem opor-lhes nenhuma crítica. A grande imprensa é assim, pensa rápido e reproduz mais rápido ainda. Ela se alimenta do senso comum, que é objetivo e transparente, “ingênuo” e espontâneo. Battisti “é” um terrorista, portanto, ninguém em sã consciência poderia defendê-lo. A lógica do raciocínio é tão simples quanto perversa.

Recorri a fontes italianas para conhecer quais grupos “de esquerda e de direita” protagonizaram os protestos em Roma, Milão e Turim. Não foi difícil encontrar falhas na reportagem da Globo. O diário La Reppublica (segundo em tiragem, pertencente ao grupo Espresso do financista Carlo de Benedetti) enumera sete coletivos políticos que se manifestaram publicamente a favor da extradição de Battisti: PDL (Povo da Liberdade), UDC (União dos Democratas Cristãos e de Centro), Movimento pela Itália, PD (Partido Democrático), IDV (Itália dos Valores), La Destra (A Direita) e Liga Norte. Os únicos partidos que não se auto-declaram de direita nesta lista são UDC, PD, IDV. O primeiro deles se considera de centro e os dois últimos estão na centro-esquerda, o que se poderia chamar de social democracia européia. Todos os demais partidos integram setores ultra-conservadores e mesmo fascistas da sociedade italiana. PDL é a agremiação de Silvio Berlusconi; Movimento pela Itália lidera, atualmente, uma campanha anti-musulmana e xenófoba; La Destra rompeu com o partido de Berlusconi por considerá-lo muito “moderado” e Liga do Norte representa um nacionalismo separatista e chauvinista que prega a expulsão de imigrantes provindos de países não-europeus. Diante destas informações já seria possível afirmar que a reportagem do Jornal Nacional é, no mínimo, reducionista. Entretanto, a má-fé não pára por aí. Os jornalistas da Rede Globo se esqueceram de noticiar outro acontecimento que teve visibilidade inclusive na imprensa conservadora italiana: foram fixados em diversos locais do centro de Roma chamativos cartazes (na foto) a favor da não extradição de Battisti. A frase principal declara: “Battisti livre”. Outro trecho diz o seguinte: “A perseguição terminou. A Inquisição cessou graças à determinação e coragem do presidente Lula. Os guardiões do capital, pelo menos desta vez, foram embora com as mãos vazias”.

Todas estas informações contribuem para iluminar o lado obscuro da cobertura jornalística hegemônica em torno do “caso Battisti’. Na reportagem da qual me ocupei aqui, a manipulação operou em dois movimentos. Primeiro, a opinião manifestada por grupos de ultra-direita e por pequenos e acanhados partidos de centro italianos foi pinçada pelos repórteres globais. Depois, aquela mesma opinião converteu-se, magicamente, em síntese da repercussão internacional da não extradição de Battisti. Ao conhecermos alguns dados obliterados pela redação da Rede Globo, podemos localizar com mais precisão que tipo de ideologia recebe destaque, diariamente, no noticiário nacional da família Marinho. Causa assombro e preocupação que uma rede de televisão monopolista se comporte como porta-voz do fascismo em um país cuja carta constitucional pugna pelo aprofundamento e pluralização dos direitos sociais que positivam e dignificam a diversidade de idéias, demandas e pontos de vista.