quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Os meios e seus especialistas

Não deixo de surpreender-me com a magnitude do cinismo midiático no que tange a retórica da pluralidade. Qualquer observador atento pôde constatar, durante a cobertura das eleições nacionais, quais são os verdadeiros lobistas da dita opinião pública. Nos diversos canais da TV aberta, vimos se revesarem as cartas marcadas de sempre que, ostentando títulos acadêmicos ou um suposto reconhecimento profissional, deram contudentes aulas de invencionismo caracterizadas, na maioria dos casos, por um tom retórico altamente prescritivo. Nada pode estar mais distante da reflexão científica.

Sujeitos que, em seus respectivos campos de saber, não gozam do mais mínimo reconhecimento se convertem, por mágica, nos respeitáveis arautos do bom senso. Investidos de uma legitimidade precária, os "especialistas" transitam com desenvoltura pelos estúdios da grande mídia esgrimindo constatações que em muito extrapolam as reais aptidões analíticas que seus títulos acadêmicos atestam. Esta é a "pluralidade" que a imprensa brasileira admira? É esta arte de fazer o mesmo discurso ser repetido por meia dúzia de bocas diferentes que eles classificam como "exercício crítico da imprensa livre"?

Preocupa a forma como setores hegemônicos da imprensa brasileira introduzem na esfera pública certas práticas informativas que minam as próprias ambições da democracia. Mais assombroso, contudo, é que não lhes seja feita a adequada oposição. Ecoam, como se fossem unívocas, verdades fabricadas em obscuras redações. Naturalizam-se práticas de debate altamente perniciosas para um sistema político como o brasileiro, cuja carta constitucional pugna pelo aprofundamento e pluralização dos direitos sociais que positivam e dignificam a diversidade. Produz-se uma espécie de esquizofrenia que leva os jornalistas a acreditarem piamente nos dados que, ainda ontem, eram elocubrados por eles mesmos no contexto de articulações eleitoreiras ou mesmo golpistas (lembremos de 2006).

Como é característico do campo jornalístico, o que foi dito num grande jornal se reproduz nos pequenos meios; o especialista mistificado pela cadeia de TV x deve, necessariamente, ser convidado a opinar na emissora y; ninguém pode ficar atrás de ninguém na árdua tarefa de repetir as mesmas coisas em uníssono. Neste circuito, que tem seus acessos e contornos definidos pelo ranço conservador dos ícones do bom jornalismo, flui uma articulação de conjunto que passa a ser anônima (posto que é consensual), mas não perde seu caráter programático, estratégico. E quando falo de estratégia, me refiro a um repertório mais ou menos regular de práticas discursivas que servem para atribuir valores morais diferenciados a sujeitos diversos; que servem para produzir um vocabulário de interpelação que é, acima de tudo, um vocabulário político, ou seja, eficiente para a luta política. Desaba, assim, diante do olhar atento e do ouvido aguçado, todo o suposto ascetismo que nossos "formadores de opinião" ritualizam em seus falsos fóruns de debate plural. Fóruns nos quais a participação de qualquer um está condicionada pelo consenso (ou o termo correto seria adesão?) prévio.

Os meios fazem precipitar sobre a sociedade brasileira certa cultura de debate que valoriza o exercício de manutenção e reprodução do senso comum, este eficaz alimento das consciências que desejam expurgar de si quaisquer ímpetos "ideológicos" ou "autoritários". No fim da história, cá nos encontramos nós, constrangidos a pensar o futuro e a própria ação no presente pelo viés das forças sociais que derrotamos ainda ontem, pelo menos no plano eleitoral.