sexta-feira, 22 de abril de 2011

Do que as elites riem?

A imprensa gaúcha deu grande visibilidade ao projeto de lei do deputado Raul Carrion (Partido Comunista do Brasil) que tem por finalidade regular o uso de estrangeirismos nos meios de difusão escrita da informação. Alguns jornalistas sugeriram que o debate sobre a utilização de palavras estrangeiras na publicidade, nos jornais e mesmo em documentos oficiais está desprovido de importância, visto que questões de grande monta aguardam, ainda, uma adequada discussão em nossos parlamentos. Argumentos semelhantes são levantados quando se trata de problematizar a regulamentação da atividade jornalística ou mesmo a recuperação de informações que levem a identificar os responsáveis por violações dos direitos humanos durante a ditadura militar. É embaraçoso constatar o esforço da mega-imprensa em determinar aquilo que deve ou não ser posto em pauta na esfera institucional.

Apesar da jocosidade maliciosa e desinformativa que caracterizou a cobertura dos grandes jornais ao projeto de lei do deputado comunista Raul Carrion, o fato é que a discussão está colocada. Aumentar o nível do debate pode ser saudável. Opiniões críticas sobre o assunto em questão alertam para a dificuldade de implementação da lei e sugerem que, no geral, ninguém tem dificuldades para compreender vocábulos estrangeiros já amplamente disseminados. Alguns acadêmicos lembraram que os idiomas não constituem totalidades imutáveis. O português, como língua viva, atualiza-se mediante empréstimos variados. Ocorre que a lei aprovada no RS não visa proibir o uso de palavras provindas de outras línguas. O deputado Carrion propõe que, quando vocábulos estrangeiros apareçam em qualquer texto de ampla difusão, sejam ou traduzidos ou explicados ao leitor. Isto, sem dúvidas, promoveria um uso reflexivo e, portanto, qualificado da escrita.

Quero chamar a atenção, agora, para outra dimensão que caracteriza o uso de estrangeirismos em diversos textos que nos interpelam cotidianamente. Refiro-me a dimensão da violência social implícita em qualquer ato comunicativo que, dirigindo-se a um público amplo, priva determinados indivíduos de uma compreensão mais integral do conteúdo vocabular do texto enunciado. Os processos de diferenciação, segregação e exclusão operam por meios variados. Entre eles, o idioma. Não é coincidência que, na maioria das colunas sociais, termos como “coiffeur”, “cool”, “in”, “out”, irrompam sistematicamente para descrever a sedutora vida social das nossas elites econômicas. Falar e não ser entendido pode ser muito rentável às vezes. Tão rentável quanto insinuar que todos entendem o manancial de palavras estrangeiras que pontilham peças publicitárias e matérias jornalísticas. Quem desconhece o sentido de determinado termo é automaticamente convertido em aberração. A naturalização dos estrangeirismos naturaliza, também, eventuais estratégias de distinção alentadas pelo manejo desse tipo de vocábulo.

Mais do que inflamar o debate entre ortodoxia e heterodoxia, o projeto de Raul Carrion nos convida a refletir sobre os usos do idioma no contexto de uma sociedade violentamente desigual. A chacota e o deboche deram, até agora, a tônica da controvérsia gerada pela Lei 156/2009. Este parece ser mais um sintoma do embaraço causado pela visibilidade que o uso de estrangeirismos recebeu no Legislativo gaúcho. Costumamos rir daquilo que nos constrange. Transformamos em piada aquelas ideias que, se expressadas de outra forma, seriam intragáveis. Que preconceitos e práticas segregacionistas se ocultam sob as gargalhadas generalizadas?