quinta-feira, 17 de março de 2011

A própria vida


Vento invasivo no sul da metrópole
brônquios dilatados
coração pulsante
dentes e língua verdosos

aspectos do impacto
do brometo de ipratrópio que
arrebenta o peito numa orgia
aeróbica: parâmetro hiper-real da respiração.

aspectos do impacto
do arbusto nativo que
invoca todos o matizes
da selva ao roçar papilas.

Fora isso, há epifenômenos,
uma angústia discretíssima: a própria
vida, dada a conhecer através
de um feixe de energia.

Meia noite, rue des Bernardins


Meia noite, rue des Bernardins,
penso no sal, no trauma,
no mar, na distante Ouahran.
Depois da conquista jamais houve calma.

Na gélida cidade varrida
pelo feixe da Torre
há estopor dissipado, ferida,
esperma censurado qu`escorre.

Não é calma, mas letargo,
modorra de domingo, tensa.
Ranso de província, amargo.
Obsessão sem poesia, doença.

Do ódio que a tortura desata
Da torrente de punhos na praça
Do jugo que a explosão arrebata
nada a aproveitar: mordaça

Resta pouco a declarar.
Eram mazelas do momento.
Mas que lema a bandeira oculta? "Recalcar".
O olvido é do silêncio desejado rebento.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Notas sobre uma possível intervenção na Líbia



Alex Martins Moraes


Não é difícil colocar em xeque o maniqueísmo midiático em torno da crisa na Líbia. As manchetes vêm sugerindo que um cruel ditador enfrenta com bombas a insurreição democrática dos seus cidadãos. Bastaria apontar, entretanto, que os jornais não oferecem absolutamente nenhum elemento que nos possibilite entender quem são estes sujeitos rebelados contra o regime estabelecido para concluir que é quase impossível posicionar-se com relação ao conflito líbio. Quais objetivos políticos estão em jogo na Líbia? Com base nos elementos disponibilizados exclusivamente pela imprensa brasileira, só podemos responder que é muito difícil avaliar o que ocorre no Norte da África. Mais difícil ainda é emitir juízo moral sobre os enfrentamentos em questão.


Parece que às vezes os jornalistas esquecem que nem todas as pessoas têm sobre si a obrigação que, diariamente, lhes é imposta nos lugares onde trabalham: pensar rápido. Tal obrigação produz resultados perversos. Repetem-se as mesmas análises políticas baratas e objetivadoras nos meios de imprensa de todo o globo: um desperdício da internet, esta alardeada ferramenta de pluralização das vozes e das ideias. Mas não nos contentemos apenas em identificar a existência de infinitas redes reprodutoras dos mesmos jargões. É preciso, ainda, dizer que tais redes estão hierarquizada por uma verdadeira divisão internacional do trabalho informativo. As grandes agências, atreladas aos poderosos interesses capitalistas, produzem uma vasta gama de interpretações rasteiras que são fartamente consumidas pelos jornalões brasileiros. Dou um exemplo. O Estado de São Paulo, mesmo tendo enviado um correspondente à Líbia, não consegue controlar sua gula reprodutora. No dia oito de março, referido jornal publicou em seu site uma matéria copiada e colada da agência Reuters. O texto relata as recentes movimentações de tropas governistas e rebeldes. Suas linhas estão pontilhadas de “pitadas analíticas” do tipo: governos estrangeiros se esforçaram para acordar uma estratégia unificada para lidar com a turbulência no país produtor de petróleo, que Kadafi governa em estilo autocrático e quixotesco desde que tomou o poder em um golpe militar, em 1969”. A matéria original da Reuters não foi alterada em nenhuma vírgula (ver texto em inglês: http://af.reuters.com/article/topNews/idAFJOE72700R20110308). Parece que nossos jornalistas, satifesteitos com as gotas de sabedoria das agências que dominam o mercado da informação, optaram por perfilar-se na oposição a Kadafi. Agora eles não vêem a hora de poder cobrir (ou, melhor dizendo, copiar e colar a cobertura de outrem) uma “intervenção internacional” na Líbia.


Como eu não preciso e nem quero pensar rápido, desisto, de antemão, da quixotesca tentativa de deslindar as razões e raízes do conflito líbio à luz das opiniões e análises fornecidas pelas vozes autocráticas da imprensa de sempre. Acredito ser mais sensato indagar sobre o significado de uma intervenção externa no Estado africano. A respeito deste tema, aliás, temos uma pluralidade de informações a disposição. É possível compará-las entre si e pensá-las à luz da experiência histórica recente no que tange aos conflitos do mundo árabe. Para os fins deste artigo, proponho uma pergunta tão banal quanto interessante: o que significa(ria) uma intervenção internacional na Líbia?


Posso abordar a questão proposta de três formas, procurando respeitar, assim, a amplitude do tema. Primeiro, é necessário explicar o que significa intervir militarmente nos assuntos internos de um país do ponto de vista das relações internacionais. Segundo, há que saber se existe apenas uma modalidade de intervenção em jogo. Terceiro, é interessante sinalizar os possíveis resultados de uma ingerência de tipo militar tendo em vista casos semelhantes ocorridos no Oriente Médio e nos Balcãs em tempos recentes.


Em primeiro lugar, intervir militarmente em qualquer país significa cercear sua soberania nacional. Desde o século XIX, com a queda dos grandes impérios europeus (leia-se, impérios que tentaram impor sua hegemonia sobre a Europa), o consenso nacional contemporâneo começou a avançar de forma cada vez mais definitiva. As alternativas imperiais foram postas em detrimento da perspectiva de coexistência de diversas nações dotadas de soberania territorial e preocupadas em establecer estratégias eficazes de governo da sua população e dos seus recursos. Do ponto de vista da política exterior, estabeleceu-se uma espécie de consenso colaborativo segundo o qual cada país dependia dos demais para atingir sua prosperidade que era, trambém, a prosperidade da própria Europa. Terminada a Segunda Guerra Mundial e derrotado um dos últimos intentos de constituição do império (III Reich), foram criadas diversas organizações multilaterais entre as quais o modelo mais acabado se chama ONU. Estas organizações regulam o direito internacional e impõem limites ao exercício das soberanias nacionais. Sendo assim, restringir a ação soberana de qualquer governo não é, por si só, uma violação da normativa vigente em âmbito supranacional. Avaliar o sentido de uma eventual ingerência internacional na Líbia exige, necesariamente, contextualizações.


A única organização em torno da qual existe um consenso legitimador mundial é a ONU. Recentemente, o líder líbio Muamar Kadafi sugeriu que as Nações Unidas enviassem uma comissão encarregada de avaliar se estão ocorrendo as alardeadas violações maciças aos direitos humanos no país. Trata-se de uma reivindicação aceitável, afinal, é a ONU que opina com maior legitimidade sobre o que são ou devem ser os direitos humanos – esse tema tão controverso. O envio de uma comissão plurinacional destinada a definir se o governo da Líbia está fustigando civis significa, logicamente, intervir nos conflitos sociais desencadeados em um país específico. Uma comissão nomeada pela ONU suspende, temporariamente, o poder de um governo de falar sobre si próprio aos olhos do mundo. Qualquer constatação da ONU levaria em conta os pareceres dos seus funcionários e não os do presidente Kadafi. A partir daí, os órgãos competentes das Nações Unidas poderiam definir sanções políticas, econômicas e militares cabíveis.


Os rebeldes que lutam contra o governo de Kadafi sugerem a necessidade de imposição de uma Zona de Exclusão Aérea (No Fly Zone) sobre o país norte-africano. Estados Unidos, França e Grã-Bretanha também endossam semelhante alternativa. Esta é outra possibilidade de intervenção que pode ou não se desencadear com o aval da ONU. Como Rússia e China, membros com poder de veto no Conselho de Segurança, estão reticentes quanto a necessidade de bloquear o espaço aéreo líbio, é muito provável que um Zona de Exclusão Aérea, se imposta, seja operada por outro tipo de concertação internacional (OTAN, UE, Liga Árabe). Se isto vier a ocorrer, é de se esperar que o exército líbio reaja. Neste caso, para manter o fechamento dos céus, seria necessário destruir toda a infraestrutura de defesa antiaérea do país, ou seja, entrar em guerra com a Líbia e assumir as consequências políticas e humanitárias que este tipo de situação engendra. Pergunto, então, se uma intervenção de tipo militar contra o governo instalado em Trípoli não acarretaria, no fim das contas, o prolongamento do conflito.


Os primeiros protestos que estouraram no país de Kadafi foram interpretados como reverberação da crise egípcia e tunisiana. Entretanto, o posterior desenrolar da situação deixou claro que existiam diferenças entre cada um destes contextos nacionais. À medida que os dias passavam, o governo líbio demonstrava capacidade de administrar os confrontos, impondo reveses importantes aos insurgentes. Longe de bater em retirada, Kadafi reagiu com armas a uma sublevação igualmente armada que muito pouco parecia ter de espontânea. O problema é que agora o líder líbio, tão afeito ao ocidente e apoiador declarado da “guerra contra o terror”, se tornou um entrave para os intereses norte-americanos e europeus na região. Segundo o site de informação Réseau Voltaire, o coronel Kadafi, ex-nasseriano, especilizou-se, durante anos, em fazer um jogo dúbio, correndo o risco de, muitas vezes, jogar em dois campos ao mesmo tempo. Ele ostentava um discurso ultra-radical contra o imperialismo estadunidense e o sionismo ao passo que servia aos seus interesses liquidando, por encomenda, alguns dos principais opositores ao regime. Kadafi nunca empreendeu nenhuma ação contra Israel e estava oficialmente reconciliado com os EUA desde 2003. Contudo, seu ressentimento para com os líderes da Europa e dos Estados Unidos poderá ter consequências (econômicas) nefastas. Isto porque, ao sentir-se traído pelo “ocidente”, Kadafi não titubeará em estremecer a “tranquilidade” da África mediterrânea – garantida, há décadas, por governos autoritários pró EUA e UE. Solução pragmática: aproveitar a roupagem popular – desbotada, é certo – da revolução líbia para derrubar Kadafi sem chocar a comunidade internacional. Benefícios da solução pragmática (ou seria “capital-pragmática?): estabilização do abastecimento de petróleo, baixa do preço do barril e preservação de uma zona política tampão no Magreb capaz de isolar o Irã e garantir a manutenção dos interesses de Israel. Quantos coelhos numa única cajadada!


Última questão. Está atestada a eficácia das Zonas de Exclusão Aérea? Pois bem, elas foram impostas ao Iraque, no governo de Bush pai. Saddam Houssein, entretanto, permaneceu no poder por mais de uma década até ser derrubado mediante invasão terrestre estadunidense. Na Bósnia também foi imposta uma zona de exclusão aérea, contudo, apenas a ocupação da região pela OTAN apazigou o conflito: uma paz de cadáveres.


Material consultado a respeito do conflito na Líbia:


Libye : les enjeux d’une zone d’exclusion aérienne, Philippe Leymarie: http://blog.mondediplo.net/2011-03-07-Libye-Exclusion-disent-ils

Países Árabes – o vento que agita o rio, Moisés Saab: http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=149139&id_secao=9

Israël vole au secours de son allié Khadafi: http://www.voltairenet.org/article168711.html


quinta-feira, 10 de março de 2011

Yo no soy machista, y qué?

Abaixo alguns vídeos produzidos no contexto de uma campanha publicitária contra o machismo no Equador. O material é interessante não tanto pela argumentação utilizada (que já está bastante difundida), mas sim por constituir uma campanha pública e massiva de reação à violência contra a mulher. Bom exemplo, bom precedente.