Estava sentada esperando ônibus, tentando me livrar de um acesso de tosse que quase fez meus óculos caírem. Quando fui arrumá-los vi dois olhos enormes e pretos, brilhantes, me fitando. Levei um susto. Prestei atenção para tentar descobrir o que estava vendo, de onde vinham aqueles olhos. E espantada vi que eram os meus próprios olhos refletidos de uma maneira muito estranha nos meus óculos de sol. Estavam escuros e enormes, a lente os aumentava e eu podia ver até os detalhes da pele ao redor.
Passado o estranhamento inicial, comecei a brincar com os reflexos estranhos, e lembrei de uma música: “Hello, mirror/So glad to see you my friend/It's been a while...”, e de uns versos do Fausto: “Nunca imaginei-me assim,/vendo a mim mesmo, tudo.”.
Comecei então a pensar (tempo fértil, este, das paradas de ônibus) nos olhos que nos olham. São muitos, mas há um que faz toda diferença e que chega quase a ter controle sobre nós.
Este é o Outro. Não o conhecemos, mas imagino que deva ser uma pessoa dessas de humor ácido, daquelas que riem com os olhos (os sorrisos dos olhos são os piores, ou os melhores), ironicamente, daquilo que tememos e desejamos, além de rir da imagem que tão difícil e cuidadosamente construímos para todos os outros, inclusive o Outro.
E o Outro ri porque sempre sabe de tudo que se passa conosco, e nos faz transparente com apenas um olhar. Se temos alma, ele a vê, e se achamos que não temos, ele dá aquele sorriso-olhar que nos lembra da nossa incapacidade de saber das coisas mais importantes, como almas, amores e sentidos de vida.
O Outro é onipresente.
Mas não se pode simplesmente chegar do seu lado e chamá-lo para um acerto de contas, perguntando cara a cara porque afinal ele não pára de prestar atenção no que fazemos/sentimos/pensamos, porque ele também não sabe o propósito último deste seu olhar que nunca cansa. E provavelmente, se lhe perguntássemos, responderia com outro sorriso-olhar sarcástico, debochando das nossas vãs tentativas de constituir nossa personalidade forte e livre de tantas influências e, claro, olhares.
Seu maior truque é transformar-se. Disfarça-se de qualquer pessoa que queira. Por isso às vezes conseguimos dar alguns nomes a Ele. Mas não se enganem, no final é sempre Ele a olhar. E a julgar. E a saber. E a sorrir.
Minha única esperança é que o Outro também tenha um ponto fraco. Algo que eu possa olhar. Quero ver se Ele suportaria ver-se como eu me vi nos meus óculos, ver-se de fora. E conviver com isso depois. E principalmente, falar sobre este olhar que nos faz tão fracos.
segunda-feira, 8 de junho de 2009
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Um comentário:
eis o olho que fita e invade nossa privacidade... derruba a nossa liberdade, de cutucar o nariz... hehe...
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