quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Se nos fue Mercedes



UNA COSA SOSA
por Juan Sasturain

Mercedes era una cosa Sosa.
Con mayúscula, digo: tucumana .
cantora sola, voz soberana,
clase de una, negra y golosa.

Pero ante todo, fue generosa
con el verso y la oreja americana.
Nos cantó a don Ata y a la hermana
Violeta, al Cuchi y a Zitarrosa.

Mercedes hizo su destino en vida.
Más allá del aplauso y de la fama
encarnó a la Tierra. Confundida

en piedra y consumida en llamas
queda la imagen final, tan parecida
a un Buda criollo, a la Pachamama.

--

Estava em um quarto de hotel da capital argentina quando, no passado domingo, me chegou a notícia de que Mercedes Sosa morrera. Dias antes, havia lido no “amarillista” diário Crônica que La Negra encontrava-se hospitalizada em estado grave. Não levei muito a sério tal informação por conhecer o caráter sensacionalista das matérias que se publicam em Crônica e por saber que Mercedes Sosa não podia morrer. Fiquei realmente impressionado quando me disseram que o corpo da cantora já estava sendo velado no Congreso de la Nación.

Desde pequeno, escutava em velhos vinis as canções interpretadas pela Negra. Já adolescente, escolhi Mercedes como guia musical e adentramos na atmosfera do folclore argentino. Conheci, graças à Mercedes, o célebre Atahualpa Yupanqui, e emocionei-me reproduzindo à exaustão temas como “Lunita tucumana” e “Guitarra dímelo tú”. Interessei-me pela nova canção chilena de Violeta Parra ouvindo a pujante voz da Negra entoar “Hermano dame tu mano”. A tucumana Sosa, desde que irrompeu entre minhas preferências musicais, trouxe influências que decantaram permanentemente neste manancial que concebo como identidade pessoal. Escutar suas músicas seguro de que, não tão longe do Porto Alegre, Mercedes vivia e cantava, destilando sua tristeza em versos, sempre foi um consolo para mim. Sabê-la viva e imaginá-la transcendente conduziu-me a duvidar de que, numa madrugada qualquer, La Negra poderia se calar definitivamente. Daí o nervosismo e a perplexidade que se abateram sobre meu peito no último domingo.

Perto da 1h da madrugada, cheguei com María Pia, Andrea, Santiago e Juliana ao parlamento argentino. Não havia fila nem multidão. “Te agradeço pelo retrato que nos trouxeste deste continente”: esta foi a ambígua mensagem que deixei nos painéis destinados para tal fim próximo ao local do velório. Entramos calados no edifício do Congresso, caminhamos entre coroas de flores ofertadas por partidos políticos, sindicatos, famílias e empresas. Cordões vermelhos indicavam-nos por onde passar: corredores amadeirados, janelas pelas quais circulava o ar congestionado duma noite que esperava a tormenta, pequenos grupos de pessoas conversando baixinho nos cantos, cheiro das flores que desvaneciam e Mercedes. Maçãs do rosto maquiadas, olhinhos tranquilamente fechados, Mercedes. Depois de ter conhecido, ainda novinho, a obra da Negra através dos discos de meu pai, competiu-me, por casualidade, a missão despedí-la.


Deixo aqui, o enlace para uma interessante matéria de Karina Micheletto a respeito da morte de Sosa: http://www.casamerica.es/opinion-y-analisis-de-prensa/cono-sur/mercedes-la-voz-que-fue-un-continente

3 comentários:

Fernando Nogueira disse...

si se calla el cantor, calla la vida...

Alex Moraes disse...

pero seguiremos adelante!

Santi disse...

Muy bueno!
Saludos Alex