O grito que ouço não se faz classe
e o crepúsculo é modorra
é vanguarda de mais-um-dia.
O último cigarro se apaga
no vinho avinagrado da
penúltima taça na
última capital do sul;
na metrópole meridional
que é souvenir nostálgico
do ontem de massas
e do passado de caudilhos.
Condensando todas as horas,
o crepúsculo, gerúndio do dia,
enuncia a noite. A noite do
Ocidente imaginado e palpável.
En el Sol o granito amorna
sob chicletes e escarros.
Na Grécia a praça está limpa.
Espera as hordas e o gás da manhã.
Na Itália dizem que
o capital é pervertido (não perverso)
porque imoral: confrontam-se
O Bem e o Mal na Paz das sacristias.
Porto Alegre anoitece sua noite
de centros melancólicos e
arrabaldes mundanos demais.
Sua noite cúmplice de vozes
que não se mesclam.
Em Porto Alegre não há aliança possível.
Há intelectuais vigilantes.
Há intelectuais zelosos na
Noite-de-mais-um-dia.
Eles temem partidos, bandeiras
e populacho.
Temem a nação e a classe.
Esperam epifanias.
São a consciência
do citoyen, o pouquinho
que cada qual pode fazer.
São litania perdida
em algum lugar entre o
ser-precisamente-assim e
a fugaz alegoria.
E nesta mesma noite,
ou na manchete policial de amanhã,
em pleno coito, na alvorada violenta,
no presente que é eterna véspera
duma esperança concreta,
milhões fazem poesia.
Fazem o agora,
tornam o tempo verdadeiro,
teleologizam, encarnam o antes e,
alegres, imaginam o depois.
Folheiam páginas com
avidez. Não hão de convertê-las
em resenha, em necrológico.
Plasmarão a poesia torta
das alamedas e ruelas;
poesia densa e desengonçada que se
[sustenta
com colchetes, que se
formula no plural, com trapos,
com grêmios, com merda,
lama, com resquícios do tecido.
As cinzas flutuam em bloco,
adernam, fragmentam-se e submergem
lentamente.
A taça treme.
Nenhum comentário:
Postar um comentário