sábado, 10 de dezembro de 2011

Não me peçam


Deem-me tempo para a
calçada, para a solidão
fora do gueto, para o roçar
da sola de borracha na superfície
desgastada do granito úmido
onde repousam flores roxas.

Não me peçam que escreva
nada sem antes atravessar lentamente
a madrugada ébria e a
manhã de náuseas.

Não me peçam que escreva
nada sem antes revisar
a poesia de América e
os arquivos de causas perdidas.

Deem-me tempo para envolver-me
com gentes duvidosas, embalado
por rompantes meus, por
convites de estranhos (estranhos meus),
por solidariedades militantes.

Não me peçam que escreva
nada sem antes ter me desiludido
[com vocês,
ter desertado de vosso assombroso
coro de espíritos anêmicos

Não me peçam que escreva
nada sem antes ter escolhido
uma crítica situada,
contra vossa crítica que pretende
vir de lugar algum,
ou vir d'Antropologia:
o que dá no mesmo.

Não me atropelem com vosso
monolito de papel que massacra
a alegria, que abafa
o ruído absurdo sob vossa
voz precariamente livre, impávida.

O ruído se parece à palavra não.

Não à tristeza que institucionalizastes
para chorar vosso fracasso de classe,
Não à tristeza que institucionalizastes
para albergar vossa crítica oficiosa;
vossa crítica que não se sustenta
acolá do efêmero eco
da palavra enunciada a sós.

Nenhum comentário: