sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Antes de estrear neste espaço que promete ser muito interessante, quero dizer que nunca escrevi algo que mais pessoas lessem, além dos meus professores. Portanto, leiam com olhos bondosos. Quero escrever um pequeno trecho de um livro com que me deparei há um tempo já, mas que não esqueci, e nem poderia.

Mas antes gostaria de falar sobre algo que faço freqüentemente, que é me pôr entre aspas através das palavras de outros. Faço isso porque tenho uma mania meio chata, que é tentar sempre (se consigo, já é outra história) me expressar com palavras precisas e frases objetivas, com a pretensão ingênua de fazer caber um pensamento inteiro em uma frase.

Bom, às vezes dá certo. Por exemplo, quando conversava com minha terapeuta sobre certa dificuldade de falar, ela tentava me convencer de que não existem palavras tão exatas quanto eu gostaria, e que certas coisas são simplesmente inefáveis. Usando um argumento extremo para meu medo de não ser entendida, dizia ainda que nunca podemos ter a certeza de que há realmente um entendimento comum (óbvio, mas às vezes esqueço disso). Mas eu nunca desistia da busca por uma frase que exprimisse exatamente minhas inquietações. E depois de muitas voltas e aproximações com outras palavras, a tal frase surgia, provocando um grande alívio.

Não sei, fico pensando se um certo reducionismo é o preço que pago por esta suposta exatidão na expressão. Pra mim, significa que entendi finalmente o que quero dizer, um entendimento particular que é anterior à fala.

Tudo isso pra contar que uma das coisas que mais gosto é quando leio algo – um poema, uma frase, um texto – e penso que era exatamente aquilo que eu queria dizer, mas não conseguia ordenar meu pensamento. Aí vem a sensação de estar traduzida, quando me sinto menos sozinha no mundo das palavras.

E finalmente o trecho de que falei no início, de Clarice Lispector, escolhido pela beleza, pela tristeza, e claro, pela precisão:

“ - Quer um pedaço de sanduíche, Maca?

- O quê?

- Quer um pedaço de sanduíche?

- Muito agradecida, Glória, mas eu tenho um enjôo para comer porque quando eu era criança me deram um gato frito.

- Credo! E você comeu?

- Comi, eu não sabia! Parecia que eu tinha cometido um crime, parecia que eu tinha comido um anjo frito com asa e tudo!

- Credo!

- Ai, Glória, por favor, você me dá uma aspirina?

- Mas por que você me pede tanta aspirina, Maca? Não é pelo dinheiro não, mas pode fazer mal!

- Para eu não me doer!

- Hã??

- Para eu não me doer. É dentro.”

2 comentários:

Rodrigo Toniol disse...

quero dizer que é uma honra poder "ler você" em primeira mão e outra coisa, para quem acha que não tem palavras objetivas a senhora se saiu muito mas muito bem hehhehe

beijo

Luiza disse...

a grandeza de um bom livro, poesia, música, foto ou quailquer performance é isso... traduzir nossos pensamentos e, principalmente, tentar traduzir nossas emoções (que, ao meu ver, são as causas das confusões de pensamento, se é que me entendem... :])
compartilho contigo a mesma sensaçao.
saudades!