domingo, 26 de outubro de 2008

Não era o que pensava publicar.

Bom, faço hoje minha estréia nesse espaço promissor que propõe o Rodrigo. Minha idéia era começar com um texto abrasador sobre conflitos subjetivos que me acometeram em relação a antropologia. Desisti. Não por falta de coragem, mas sim por algo muito pior: a falta de tempo. Deixo no ar, contudo, o suspense a respeito do teor das minhas angústias. Dentro de algum tempo,depositarei aqui todos os resíduos sangrentos dessa discussão de relação que tive com a antropologia em decorrência dos excessos da minha despedida de solteiro. Mas não se preocupem, somos, ainda, um casal apaixonado.
Pensei também em falar sobre as incertezas de regressar ao Brasil depois de seis meses morando em Montevideu. Relatar a situação extrema em que me encontrei quando, dias antes de empreender o regresso a nação riograndense, me dei conta de que minha terra natal representava dúvida e desamparo enquanto o país estrangeiro simbolizava, supostamente, olocus promissor de uma rotina amena e comodamente linear. Mas desisti também de empreender tal reflexão. Fica para depois.

Hoje, quero largar por aqui dois trechos (os dois últimos dias) do diário de campo de uma ida a Montevidéu no ano passado. Por quê? Não sei bem. O fato é que estava organizando alguns arquivos no meu computador, topei com essas linhas e achei que seria legal compartilhá-las.

6° dia em Montevidéu (20 de Julho)

Sexta-feira, 20 de julho. No Brasil os dois fatos bombásticos da semana já estavam consumados. Um acidente com avião da TAM aprofundava o “caos aéreo” e ACM (“último caudillo de la derecha brasileña”, segundo o diário “La República”), estava sendo enterrado ao lado do seu filho, Luiz Eduardo. Enquanto isso, eu almoçava num bar-restaurante da Rua Colonia e aproveitava o tempo livre para ler o jornal, que noticiava uma possível subida nos preços dos alimentos devido às geadas que prejudicaram as lavouras do Norte do Uruguai.

Saindo do restaurante, caminhei até a biblioteca do CLAEH, onde me esperavam os livros que selecionara para fotocopiar. Deixei meu passaporte com a bibliotecária como garantia para retirar material do acervo.

Num pequeno bar da rua Soriano, tirei os xerox que necessitava. Em trinta minutos estava de volta ao CLAEH para recuperar meu documento e restituir os livros. Agora teria que voltar ao “Hostal”, guardar as cópias e buscar o gravador para entrevistar Rinche, as 19h no “Sport Man”.

Usei o tempo vago entre as 15h30min e as 19h para tomar algumas fotografias. Na rua San José, as inscrições em um muro atraíram o olhar da minha câmera: “Tabaré, en dos años más de 50 mil se fueron del país Y?”. Quinhentos metros mais adiante, na Av. 18 de Julio, vi um grupo de 10 pessoas aglomeradas diante de uma vitrine. A maioria era jovem. Aproximei-me para ver o que tanto lhes chamava a atenção. Tratava-se de uma lista de vagas de emprego: mais uma foto emblemática. Na seqüência, fotografei as ruas vazias do “Barrio Sur”, as árvores desfolhadas que conferiam ao passeio ares melancólicos e dois meninos de rua que se mostraram muito curiosos com o que estava fazendo.

Cheguei ao bar “Sport Man” as 18h30min, pedi um café, preparei o gravador e me pus a anotar as percepções daquele dia. Uma senhora alta, olhos claros, óculos com aros escuros, cruzou a porta do bar por vota das 19h15min. Supus que fosse Rinche e não me enganei.

Rinche era imigrante Suíça. Após conhecer um Uruguaio na Espanha, se mudou ao “paisito”. Falava perfeito espanhol marcado pelo sotaque do Rio da Prata. Conversamos sobre “Idas y Vueltas”, o atendimento da organização a parentes de emigrados, os serviços prestados aos próprios imigrantes, as histórias de viagem dos que se foram, etc.Rinche manifestou um ponto de vista bem interessante sobre fronteiras e migrações, o qual poderá ser verificado com a leitura da entrevista transcrita.

Esta última entrevista simbolizava a etapa final da minha saída de campo a Montevidéu. Ainda na noite de sexta, fui a Cidade Velha, comi empanadas na rua Bartolomé Mitre e depois pedi uma garrafa de Patrícia no bar “Fracasados”. Concluído meu pequeno ritual, retornei ao “Hostal”, de onde sairia definitivamente às 11h de sábado, depois do café da manhã.

7° dia em Montevidéu (21 de Julho)

Partiria de volta a Porto Alegre as 20h. Deixei minha bagagem no depósito do Terminal de Tres Cruces ao meio dia. Decidi, então, aproveitar as horas que me restavam na Capital do Uruguai para tomar mais fotos e visitar calmamente algumas livrarias e feiras. Primeiro, fui a ruaFernández Crespo, reduto de comércio popular, sebos , venda de roupas usadas, contrabando, etc. Aquele é um dos poucos lugares, nas imediações do Centro, onde se pode encontrar CDs piratas. Comprei alguns discos:Zitarrosa; Joaquín Sabina; No te va a gustar; Cuarteto de Nos; Tabaré Cardozo. Depois, visitei a livraria “Puro Verso”, na Av. 18 de Julio. O mezanino deste estabelecimento comercial possui fartas estantes de livros de sociologia e antropologia. Entretanto, os preços não são nada convidativos, a ponto de coibirem os meus impulsos de consumo. O dinheiro que havia reservado para “consumir cultura” (me dói escrever tal expressão) foi investido num delgado livro de PierreBourdieu (“Sobre la Televisión): $250 (mais ou menos 25 reais). Tive vontade de levar outras obras, principalmente algumas coletâneas de ensaios antropológicos de autores argentinos. A magnitude dos preços, contudo, me pareceu inaceitável. Valeria muito mais a pena esperar alguns meses para viajar a Buenos Aires e comprar os mesmos exemplares por muitíssimo menos. Nunca deixo de surpreender-me com o valor dos livros e CDs no Uruguai. As quantias pedidas pelas publicações literárias e musicais naquele país extrapolam em muito o poder de compra da população, talvez de forma mais aberrante que no Brasil.

As 18h dei início a uma longa caminhada que terminaria em Tres Cruces. Era cinza e frio o sábado, as ruas estavam vazias. Aquela cidade melancólica era a Montevidéu das minhas lembranças; baixei a cabeça e caminhei devagar. Acreditei incorporar-me, assim, a paisagem.

Na rodoviária tomei meu último café no Uruguai. As 19h15min retirei a mochila do depósito, me dirigi ao balcão da EGA, fiz os trâmites de embarque e entrei na zona das plataformas. As 19h45min já estava acomodado no interior do ônibus. “Te esperamos a la vuelta” dizia o cartaz numa das paredes do Termial. O sono chegou rápido, antes mesmo de Punta del Este.

“Mamá, ya sé que no es uma ciudad pobre, pero es fea”, disse o menino uruguaio quando o ônibus se aproximava da Rodoviária de Porto Alegre, por volta das 7h50min da manhã de domingo. Chovia.

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