quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Pastel, pardais, feira e quinta-feira

Toda santa quinta-feira e toda quinta-feira santa, desde a mais profunda lembrança que tenho, ia a feira com meu avô depois do colégio comer pastel. Ali mesmo na feira do Jardim das Flores, nome a que meus ouvidos já estão desacostumados de ouvir, saboreava meu pastel. O sabor pouco importava, o que valia mesmo era dar uma mordida, abrir um pouco com a colherzinha e socar uma deliciosa mistura de vinagrete, mostarda e catchup pra dentro. A cada mordida os sabores se misturavam, o amargo da mostarda, o agridoce do catchup, o salgado da massa e até a falta de gosto da carne eram corados com um grande gole de caldo de cana!
Assim foram as quintas-feiras desde minhas remotas lembranças da vida escolar. Um belo dia (quem sabe até foi numa quinta-feira) alguém me disse que o Rio Grande do Sul era um lugar bom pra se morar e que talvez fazer vestibular ali fosse uma boa idéia... a proposta surtiu efeito e quando vi já estava com a inscrição feita e passagem comprada para fazer as provas aqui nas terras ao sul da América do Sul.

Cheguei por volta da meia noite, não podia enxergar direito as ruas e o taxista não entendia bem o que eu dizia e eu, que achava que entendia só piorava as coisas:

- Nossa, as ruas aqui tem poucos buracos né? - exclamei impressionado com a falta crateras nas pistas
- Bah, agora arrumaram e ficou bom, mas o que tem muito é "pardal" - respondeu o homem
- Ahh, mas que maravilha!! Até pardal tem aqui, na minha cidade isso é coisa do passado. - quando terminei a frase o sujeito me olhou com um ar 1/3 intrigado, 1/3 irritado e 1/3 arrependido por ter entrado no assunto comigo

Somente depois de um bom tempo morando aqui as coisas foram se esclarecer: pardal é o mesmo que radar!

Já naqueles dias de prova o lugar me impressionava: a falta de filas, o número de parques, o chimarrão, o tamanho das folhas dos jornais muito mais apropriados para pessoas que têm apenas dois membros superiores... Voltei encantado e decidido, vou morar no Rio Grande! A decisão foi tomada sem muita reflexão, o que talvez apenas ajude a entendê-la como a melhor que já tomei. Mas lamento por não ter conferido uma coisa, uma única coisa: a existência de pastel na feira. Sim caros leitores paulistas, aqui não tem pastel na feira! Estão chocados? O pior está por vir: aqui não tem feira! Os possíveis leitores gaúchos devem estar dizendo: "Tchê, o Rodrigo está louco! é claro que tem feira!" Está bem, vou descrever rapidamente aquilo que aqui chamam de feira e você, gaúchos e paulistas, tirem as conclusões. A feira no Rio Grande tem mais ou menos 15 metros de comprimento, ninguém fala alto, poucos são os que vão fazer as compras com carrinho e o pagamento pode ser feito com cartão de crédito! A menos que tenha mudado muito nestes dois anos, a feira que frequentava com meu avô era infinita, suja, barulhenta, você sempre tinha seu pé cortado por um carrinho desgovernado dirigido por uma velha, mas o principal: tinha pastel e caldo de cana!

Esse é apenas um desabafo escrito com desinteresse. A "falta de" ajuda a me situar, ajuda a entender que estou noutro lugar que não aquele das quintas-feiras...aqui o dia chave é a segunda, quando se come o carreteiro feito com as carnes que sobram do churrasco do domingo, mas este é outro assunto que voltarei assim que falar de outras duas faltas... da pizza e das padarias.

Um comentário:

Danilo Pulga disse...

hahaha. Mto engraçado kikão. não vejo a hora de contar algumas peripecias de viçosa, e de uma vida de sitio.
me mande um email me explicando como eh q faço pra escrever ai. abraço kiko.