
Na foto, uma das paredes do Acampamento Internacional Julio Antonio Mella, que hospeda as brigadas internacionais de solidariedade a Cuba.
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Antes de estrear neste espaço que promete ser muito interessante, quero dizer que nunca escrevi algo que mais pessoas lessem, além dos meus professores. Portanto, leiam com olhos bondosos. Quero escrever um pequeno trecho de um livro com que me deparei há um tempo já, mas que não esqueci, e nem poderia.
Mas antes gostaria de falar sobre algo que faço freqüentemente, que é me pôr entre aspas através das palavras de outros. Faço isso porque tenho uma mania meio chata, que é tentar sempre (se consigo, já é outra história) me expressar com palavras precisas e frases objetivas, com a pretensão ingênua de fazer caber um pensamento inteiro em uma frase.
Bom, às vezes dá certo. Por exemplo, quando conversava com minha terapeuta sobre certa dificuldade de falar, ela tentava me convencer de que não existem palavras tão exatas quanto eu gostaria, e que certas coisas são simplesmente inefáveis. Usando um argumento extremo para meu medo de não ser entendida, dizia ainda que nunca podemos ter a certeza de que há realmente um entendimento comum (óbvio, mas às vezes esqueço disso). Mas eu nunca desistia da busca por uma frase que exprimisse exatamente minhas inquietações. E depois de muitas voltas e aproximações com outras palavras, a tal frase surgia, provocando um grande alívio.
Não sei, fico pensando se um certo reducionismo é o preço que pago por esta suposta exatidão na expressão. Pra mim, significa que entendi finalmente o que quero dizer, um entendimento particular que é anterior à fala.
Tudo isso pra contar que uma das coisas que mais gosto é quando leio algo – um poema, uma frase, um texto – e penso que era exatamente aquilo que eu queria dizer, mas não conseguia ordenar meu pensamento. Aí vem a sensação de estar traduzida, quando me sinto menos sozinha no mundo das palavras.
E finalmente o trecho de que falei no início, de Clarice Lispector, escolhido pela beleza, pela tristeza, e claro, pela precisão:
“ - Quer um pedaço de sanduíche, Maca?
- O quê?
- Quer um pedaço de sanduíche?
- Muito agradecida, Glória, mas eu tenho um enjôo para comer porque quando eu era criança me deram um gato frito.
- Credo! E você comeu?
- Comi, eu não sabia! Parecia que eu tinha cometido um crime, parecia que eu tinha comido um anjo frito com asa e tudo!
- Credo!
- Ai, Glória, por favor, você me dá uma aspirina?
- Mas por que você me pede tanta aspirina, Maca? Não é pelo dinheiro não, mas pode fazer mal!
- Para eu não me doer!
- Hã??
- Para eu não me doer. É dentro.”
Então Deus, sozinho e, por isso, solitário, criou, no primeiro dia da criação, todas as coisas. No primeiro dia criou a luz, a escuridão, o frio e o quente, o duro e o mole, a água e a terra, tudo o que está sobre a terra e tudo o que está sob o mar e tudo o que está para cima da terra e tudo o que está para baixo do mar. Criou tudo, já separadinho, já no seu devido lugar. E Deus viu que tudo era bom.
No segundo dia de criação ele separou a beleza da feiúra e agora todas as coisas ou eram belas, ou eram feias. E Deus gostou, viu que era belo e viu também que era feio e gostou assim. No terceiro dia da criação separou o barulho do silêncio, então metade ficou sendo o barulho e metade ficou sem o barulho. Deus gostou das cosias assim. Na terceira noite separou o sonho do pesadelo e assim pode dormir sossegado. Deus viu que tudo o que fazia era bom.
No quarto dia acordou esquisito e separou a dor do carinho, sentiu-se bem, gostou do que fazia. No quinto dia definiu o que seria tristeza e o que seria alegria e ambas ele semeou na terra. Viu que a cada dia a criação se aproximava mais da perfeição e gostou muito disso. No sexto dia separou o bem do mal, o bom do ruim e o cheiroso do fedido e assim amava mais sua criação. Na sexta noite separou o pecado da graça embora tenha deixado em toda a graça o pecado adormecido. No sétimo dia resolveu descansar, mas o homem, pentelho, veio lhe incomodar.
No sétimo dia separou o homem de Deus e assim pode descansar.